O blablabla do mindset da riqueza
Você provavelmente já viu alguém falando dos hábitos dos milionários. De como você poderia reprogramar seu cérebro (?!). Eliminar as crenças que estão te impedindo de ficar rico. Se tornar super produtivo, fugir da corrida dos ratos. Talvez você tenha tentado. Na verdade, talvez você esteja tentando. E provavelmente não está conseguindo. Este pequeno texto é só para dizer que você não tem culpa.
Vivemos em uma época de pessoalização. Quer ficar rico? Só depende de você. Quer ser dono do seu tempo? Só depende de você. Quer alcançar um grande sonho? Veja só, que surpresa, só depende de você! Abra o YouTube, dê uns cliques aleatórios por lá e em instantes você se sentirá em um grande evento de auto-ajuda americano, com alguém excessivamente carismático gritando que sim, você é capaz, é só se mexer, é só começar. Exemplos baratos e circunstanciais temperam a receita. Gente que, por uma série de variáveis maravilhosamente orquestradas, chegou em um lugar tipicamente desejado (ficou rico, ficou famoso, ou qualquer aspiração tradicional do tipo).
Bombardeados por inúmeras falácias lógicas, tontos por conta da linha narrativa simplista e excessivamente meritocrática, é quase inevitável cair em algo como "ele conseguiu, ele falou que dá, ele falou que é só fazer o que ele faz... mas eu não consigo, eu sou um incompetente, um fracassado".
Por que 40% dos brasileiros entre 18 e 95 estão com o nome negativado? Por que a vida financeira da maior parte de nós é um caos? Sendo ainda mais direto e pontual: por que não conseguimos juntar dinheiro?
Anos de estudos acadêmicos e pensamento científico já nos permitem dizer que não é por que uns tem muita força de vontade e outros não. E embora acordar cedo e ter as tarefas do dia organizadas definitivamente me pareça uma boa ideia, aparentemente não há nenhuma relação direta entre o horário que você acorda e o seu "sucesso" financeiro.
Abrirei dois pontos. O primeiro ponto, que passa despercebido pela maioria, é biológico: poupar recursos para usufruir em outro momento é algo novo para nós. Por literalmente milhões de anos a preocupação dos que nos antecederam era basicamente não ser morto por animais e não morrer de fome. Não existia geladeira. Não havíamos dominado o sal. Ninguém separava 10% daquele bicho pra comer quando estivesse aposentado. Comia-se o que tinha, o mais rápido possível. Se o exemplo pré-histórico não te satisfaz, temos um paralelo recente: em 1900, pouco mais de 100 anos atrás – ou seja, um período irrelevante se colocado em perspectiva –, a expectativa de vida no Brasil era de 33 anos. Trinta e três anos. Fazia sentido poupar? Por quê?
O segundo ponto é sociológico. Seja por fruto do acaso, seja por falta de outras opções viáveis, seja por uma natureza competitiva (o motivo é irrelevante neste momento), integramos um sistema selvagem que vive da fricção e da desigualdade. Não é à toa que geralmente representamos nossa sociedade utilizando a figura de uma pirâmide: a ponta só existe porque a base (larga e sólida) está lá. Quem não contou com condições plenas para o desenvolvimento intelectual, quem não teve acesso a educação, quem não teve um empurrãozinho aqui e ali, dificilmente conseguirá sair do outro lado. E por sair do outro lado entenda acumular muito dinheiro, construir uma rotina extremamente confortável, trabalhar menos ou trabalhar com algo de que goste muito, enfim, qualquer um dos grandes privilégios geralmente associados ao sucesso.
"Ah, Amuri, tem exceções, né? Eu conheço um cara rico que surgiu do nada, ele ganhava um salário mínimo vendendo coisa na feira." Claro que sim, são exceções, um em um milhão, que, aliás, em um movimento eticamente bastante questionável, muitas vezes são cooptadas por grandes instituições para fazer propaganda dizendo que "sim, você pode!" e ajudam a manter essa grande roda girando.
Isso quer dizer que não tem jeito? Que deu ruim? Claro que não. Há o que fazer, há solução: envolve psicologia econômica, arquitetura de escolha, educação financeira, políticas públicas, defesa do consumidor e, por último, mas não menos importante, envolve gestão de expectativa e maturidade emocional. É um processo longo, trabalhoso, pouquíssimo propagandeável e provavelmente não lucrativo. Há que se tomar cuidado com a autovitimização e com o comodismo, é claro, mas é fundamental entendermos que estamos lidando com questões estruturais complexas, que extrapolam os pequenos movimentos individuais, caso contrário é fácil entrarmos em um movimento festivo e ingênuo que, no longo prazo, nos deixará ansiosos, aflitos e frustrados, e que pouco fará por nossa saúde mental e pelo nosso bolso.
Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.
Pessoas queridas, as vagas para o Dinheiro Sem Medo e o Finanças Para Autônomos, meus programas de acompanhamento, estão abertas! Clique aqui → para saber mais.