Pedacinhos do Nubank

Amigos, este não é um texto esmiuçando todos os detalhes do processo de abertura de capital do Nubank, nem da campanha de marketing (o NuSócios). Darei uma brevíssima contextualização, com o mínimo que você precisa saber para não se sentir completamente perdido nesse mar de publicidade, e em seguida complemento com minha opinião.

Estou recebendo diariamente vídeos de 45 minutos, com dezenas de animações e discursos longuíssimos sobre essa tour toda, como se estivéssemos presenciando um fato histórico que mudará os rumos da humanidade — pelo amor de deus, respirem fundo aí, pessoal, vamos dar uma segurada.

Antes de começar, é importante deixar claro que não tenho nada especialmente contra a empresa, para além de todas as minhas (muitas) ponderações e ressalvas que se relacionam com a atuação de qualquer banco.

Preâmbulo feito, vamos por partes.

O que está acontecendo?

Nubank está abrindo capital na Nyse, uma das principais bolsas de valores dos Estados Unidos. Isso quer dizer que pedacinhos da empresa poderão ser comprados e vendidos livremente, em um mercado regulado.

IPO? IPCA? Ipioca?

O mercado financeiro é entupido de siglas. Uma das etapas do processo de abertura de capital se chama IPO (Initial Public Offering). É basicamente o início oficial da brincadeira toda. A gente costuma falar essas siglas em inglês e de maneira bem rápida pra todo mundo achar que a gente entende muito e é muito inteligente. A pronúncia é "AI-PI-ÔU".

BDR?

Pois é, mais uma sigla.

O Nubank optou por abrir o capital numa bolsa americana. Para facilitar a logística para os brasileiros que querem comprar as ações, mas não querem abrir conta fora do país, existirá a opção de comprar o BDR, na própria bolsa do Brasil.

BDR é a abreviação de Brazilian Depositary Receipt, que grosseiramente pode ser entendido como um papel (é virtual, amigos, sempre que possível a gente poupa as árvores) com muitas assinaturas, negociado na bolsa brasileira, que se relaciona diretamente com "o ativo" (o ativo em questão é o pedacinho do Nubank).

Ao invés de comprar e vender as ações, em si, os brasileiros terão a opção de comprar e vender esses recibos. Existem diferenças técnicas e tributárias, mas a mecânica é muitíssimo parecida.

Amuri, você vai entrar nesse trem?

Não.

É por que você não gosta do Nubank?

Não. Eu acho o Nubank massa. Nesse caso, em específico, vale até aquela máxima do "tenho até amigos que são" – tenho amigos que trabalham no telemarketing do banco, amigos que trabalham na tecnologia e amigos que ocupam cargos executivos e são responsáveis pelos rumos que a empresa toma.

Todos queridos, competentes e que estão "fazendo o possível", no sentido mais amplo da expressão.

É por quê, então?

Eu não acredito que o investidor comum (não institucional) tem a menor capacidade de escolher ações e muito menos discernir entre o "melhor momento de comprar" e o "melhor momento de vender".

Mas essa é só a sua opinião, né?

Com certeza. Mas eu gosto de pensar que minhas opiniões são, na medida do possível, embasadas em argumentos sólidos.

No Brasil, 86% dos gestores profissionais perdem para o índice. Ou seja, se movimentando horrores, estudando, lendo relatórios, trabalhando loucamente (provavelmente muitíssimo mais do que eu e você), a maior parte não consegue obter um desempenho melhor do que o indicador padrão (no nosso caso, o Ibovespa).

Eu não sei como é a autoestima de vocês, pessoal, mas a minha nem sempre está lá no teto: se a maior partes dos gestores profissionais, que só fazem isso da vida, sofrem para bater o índice – que pode ser facilmente replicado de maneira passiva e barata por qualquer pessoa –, com base em que eu deveria acreditar que eu vou conseguir?

Sem absolutamente nenhuma vantagem competitiva, por que eu deveria acreditar que eu serei o alecrim dourado, o diferentão, o barbudo bem sucedido de Wall Street? Falo mais sobre isso neste podcast.

Mas e essa história de dar "uma ação" pros clientes?

No mundo dos negócios existe um indicador muito importante chamado CAC, é a abreviação para custo de aquisição de cliente. Em linhas gerais, é o quanto a empresa gasta para conquistar um novo cliente. Se eu preciso gastar 10 reais em anúncios de Instagram para fazer com que um cliente compre meu livro, meu CAC é de 10 reais.

Por conta do aumento da concorrência e do caos publicitário digital, tem se tornado muito difícil manter o CAC em patamares aceitáveis e isso fez com que cada vez mais empresas encontrem soluções criativas, que fogem daquele anúncio chatíssimo que pipoca nos seus stories a cada 3 ou 4 toquezinhos na tela. Acompanhe o raciocínio que a gente vai chegar lá.

O Nubank comprou a Easynvest recentemente, a transformou em Nu Investimentos e claramente está cavando uma entrada no mundo dos investimentos, dominado por corretoras já consolidadas.

Qual é o jeito mais fácil de fazer com que os clientes padrão – aqueles que possuem a conta corrente e o cartão de crédito – considerem fortemente utilizar a corretora? Como atraí-los de maneira quase irresistível?

Dê um presente e faço-os sentirem-se parte de um movimento grandioso e revolucionário.

"É um pedacinho! Um pedacinho do banco que pode ser seu, se você topar, e estará completamente disponível aqui, na nossa corretora".

Será, provavelmente, a ação de marketing mais bem sucedida dos últimos tempos.

Uou! É dinheiro "de graça"?

Bom, é... você receberá um patrimoniozinho – provavelmente menor do que o preço do pão de queijo no aeroporto (ou do litro da gasolina) – que estará sendo financiado por uma verba publicitária, empregada na tentativa de te tornar um cliente mais próximo, fiel e divulgador da marca.

Mas a ação do Nubank não vai subir horrores? Eu não deveria colocar uma parte do meu dinheiro ali?

Absolutamente ninguém sabe.

O mercado está precificando uma projeção de lucros. Quem topa entrar no IPO paga pela promessa, que pode ou não se concretizar. Em outras palavras, é uma aposta.

Mas até o Warren Buffett entrou...

Ele está em outro contexto, se movimentando com o amparo de uma horda de analistas, utilizando uma estratégia ampla, presente em mercados diversos, com um capital maior do que o patrimônio de todas as pessoas que lerão esse texto, somados – mesmo assim, ele alocou uma fração pequeníssima do capital.

Para o investidor comum, o próprio Buffett defende a alocação passiva – é meio irônico, eu sei, mas o herói da maioria dos que defendem o stock picking estaria muito chateado com seus próprios admiradores.

É isso por hoje, amigos. Hoje me despeço sendo o chato da rodada. Para compensar, prometo intensificar as postagens de fotos do meu cachorro no Instagram.

Um abraço grande e seguimos.


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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Heloísa Sanchez