Panela

Amigos, tem alguns meses que convivo com a sensação gratificante de ter um sofá, uma geladeira, um travesseiro. Antes que você, que não me conhece tão bem, ache que eu sou um daqueles influenciadores modernos que vivem em apartamentos vazios, imaculados, com paletas de cores perfeitas, eu vou me explicar, não é nada disso.

Tem alguns meses que eu convivo com a sensação de ter um sofá, uma geladeira e um travesseiro escolhidos por mim, cuidadosamente postos em um apartamento que, salvo uma cambalhota da vida, deve continuar sendo minha morada pelas próximos anos.

Todas as malas foram desfeitas. Os três anos de vida nômade acabaram. Não pagamos mais nenhum guarda-móvel. Agora eu tenho plantas. O Jorge, meu cachorro, já cochilou em todos os cantos de todas as paredes.

E nós compramos panelas (a foto abaixo é autoral e meramente ilustrativa, deus abençoe o queijo coalho)

 
 

O ímpeto mobiliador de apartamento foi tão forte que Gabriela e eu largamos, sei lá, algumas centenas de reais em uma panela chique que não gruda. Em teoria eu posso untar aquele troço de metal com Super Bonder, posso forrar a superfície brilhante com durex, que nada, nada, nada acontecerá. Uma vitória da vida moderna.

Após algumas semanas de felicidade com minha panela que me permitia fazer meus ovos toda santa manhã, pensei em retomar o hábito de fazer tapiocas. Eu sou um tapioqueiro sênior, minha tapioca é realmente muito boa, é daquelas que parecem uma toalha felpuda e uniforme. Se com uma panela chinfrim eu era capaz de fazer um primor de tapioca, imaginem o que eu não faria essa panela da NASA.

Tentei por semanas. Tentei com várias marcas de goma. Tentei peneirar a goma que já vinha peneirada. Tentei diferentes bocas do fogão. Tentei com outros recheios. Nada. Todas as minha tapioquinhas ficavam quebradiças, desmanteladas, mole-aqui-e-dura-alí. Eu havia perdido a mão, era o fim de uma era.

Recentemente, em um dia em que estávamos corridíssimos com o trabalho, a Lu, diarista que trabalha por aqui duas vezes por semana, percebeu que havíamos sentado para trabalhar sem comer e se ofereceu para agilizar algo para o café da manhã. Que ajuda bem-vinda.

Ela chegou com uma tapioca lindíssima.

Pudera, pensei, tudo o que ela cozinha é incrivelmente maravilhoso, é óbvio que ia dar conta de fazer uma tapioca perfeita.

– Nossa, Lu, você acredita que eu não consigo mais fazer tapioca?

– Uai, Edu, mas é tão fácil, só jogar a goma na panela e depois virar.

– Pois é, eu sabia, mas tá ficando sempre ruim, e olha que a panela vermelha é super boa.

– Não, não, a panela vermelha é horrível pra fazer tapioca, não presta não.

Um mundo se abriu.

– Como assim, Lu? Eu faço tudo nessa panela, é a melhor que existe!

– Bom, pra fazer tapioca não presta.

– Mas você conseguiu, né?

Olhei para o fogão e vi que ela havia usado uma panela preta meio velha, que eu nem lembrava mais que a gente tinha.

– Não, eu usei essa pretinha aqui, tentei fazer duas vezes com a vermelha, ela distribui o calor de um jeito meio estranho, não presta não.

À tarde, depois de uma série de reuniões, com alguma fome, resolvi dar uma nova chance para o fazedor de tapiocas que mora em mim, dessa vez com a outra panela. Funcionou lindamente, do jeito que tem que ser. Amigos nortistas e nordestinos, minha tapioca está pronta para a sabatina do juri especializado.

O problema era a panela. Não era a goma, não era o chef, não era a boca do fogão, era a panela.

A pessoa certa com a ferramenta errada.

Essa pequena epopeia tapioqueira aconteceu em uma semana em que eu ofereci muitas sessões individuais para os alunos dos programas de acompanhamento, então vocês me perdoem a forçação de barra nas analogias, mas, para mim, que estou respirando planejamento financeiro todos os dias, a conexão foi inevitável.

A panela pode ser maravilhosa para fazer muitas coisas e simplesmente não servir para muitas outras, da mesma forma que a ferramenta de planejamento financeiro pode ser incrível para muitos contextos e terrível para outros tantos.

Canso de receber alunos que se sentem incapazes de construir um método de organização em cima de uma planilha, mas que são excelentes no bloco de notas do celular ou em uma folha de papel sulfite.

Pessoas que se sentem mal por não conseguirem fazer suas próprias tapioc... ops, seus próprios planejamentos financeiros, que acreditam que são incompetentes, e que se percebem capazes ao trocar de panel... ops, de método.

Pessoas diferentes precisam de panelas diferentes

Texto finalizado, amigos, vamos todos comer uma tapioca para celebrar.

 
 

Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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Heloísa Sanchez