Pelado
Amigos, eis o relato de um longo dia.
Acordei em casa, em Brasília, pronto para uma manhã tranquila. Enrolei na cama com Jorginho, meu cachorro, por uns 15, 20 minutos, levantei, tomei um banho, fiz a barba, comi um tigela de frutas com granola, tomei um pequeno balde de café e fui me vestir.
Vesti uma bermuda e uma camiseta para encarar o cerrado calorento e o voo curto até São Paulo.
Na mala, um pijama e a roupa que eu havia escolhido para palestrar às 17h deste mesmo dia, no auditório da B3 (a nossa bolsa de valores). Baita evento, o Leandro Karnal realizaria a abertura, eu faria o fechamento.
Como eu tinha algum tempo até que chegasse a hora de sair, fiquei papeando com a Gabriela, sentei no computador, respondi emails e comi uma fatia de pão com queijo. Tudo na mais absoluta paz.
Um brinde para aqueles que se organizam, eu pensei, aqui não tem furdunço, aqui não tem corre-corre, aqui a gente vive hidratado, aqui a gente come granola, aqui a gente ri na cara da pressa.
Mais um pouco eu viro coach de produtividade no instagram.
Cheguei no aeroporto por volta das 11 horas, plenamente convencido de que o paulistano esbaforido que mora dentro de mim havia falecido há anos.
Embarquei e cochilei o sono dos bem planejados. Pousamos em São Paulo às 13h. Comi no restaurante japonês ruim e superfaturado do aeroporto de Congonhas. Entrei no taxi às 13h45 e, no caminho, fiquei vendo os stories da turma que estava no evento onde iria palestrar. Lembro de pensar "nossa, o Karnal está sempre muito arrumado, né, que garbo e elegância...".
Às 14h15 eu já estava entrando no hotel que ficava a 5 minutos a pé da B3. Que coisa maravilhosa que é ter tempo: tomo um banho com calma, desço, tomo outro café e às 15h chego no camarim.
Já despido – me desculpem pelo excesso de detalhes, vai ser importante para que vocês entendam a situação dramática que está por vir –, liguei o chuveiro e, como a água estava demorando para esquentar, resolvi tirar a roupa da mala e deixá-la separada.
Peguei primeiro o sapato. Depois a meia. A outra meia. A cueca. A camiseta. O cardigan. Bom, agora só falta pegar a calça. A calça. Meu deus, cadê a calça?
Eu praticamente enfiei a cabeça dentro da mala para me certificar que, sim, eu havia sido burro daquele tanto: eu esqueci de colocar a calça na mala.
Em menos de 2 horas eu preciso estar no palco da Bolsa de Valores, onde o Karnal havia acabado de palestrar de terno e colete. E eu estou sem calças.
Cogitei palestrar de bermuda pagando de empreendedor exótico que reúne em si toda a autoestima de todos os homens héteros e brancos, mas tive um lampejo de sobriedade, desliguei o chuveiro, me vesti e, já suado e com a respiração curta, sai correndo pelo centro de São Paulo atrás do shopping mais próximo.
O shopping Light estava completamente abarrotado e quente. Entrei na primeira loja que eu vi pela frente, não tinha nenhuma calça básica. Que raio de loja não tem uma calça básica, meu jesus.
As outras lojas de roupa ficavam no quarto andar. Não sei se eu já comentei com vocês, mas eu costumo me perder até dentro de uma padaria e isso quer dizer que eu devo ter demorado uns 10 minutos pra achar todas as escadas que eu precisei subir para chegar até a loja de roupa que me pareceu mais razoável.
Entrei na loja, pedi uma calça tamanho 44, o rapaz demorou uns 10 minutos para voltar do estoque. Voltou com uma uma calça que eu achei bem feia. Paciência, meus amigos, peguei a calça, fui para o provador, provei, achei que ficou meia boca porém passável. O verdadeiro guerreiro precisa escolher suas batalhas.
Sai do provador com a calça na mão, fui direto para o caixa, o vendedor tentou me convencer que se eu levasse dois pares de meia eles sairiam praticamente de graça por conta da promoção de sei lá o que. Não aceitei, entreguei a maldita calça para a moça.
"São 590 reais, senhor".
É a calça feia que eu não quero mais cara da minha vida, eu pensei.
Por vezes, por não dispormos de um recurso finito (o tempo), precisamos dispender outro (o dinheiro), sempre comento isso com os alunos (mas quando isso acontece, na prática, dói mais).
Atravessei o vale do Anhangabau com a calça na mão, entrei no hotel, me arrumei e fui caminhando, calmamente, até o prédio da Bolsa. Dei uma ótima palestra, creio, as pessoas pareceram gostar bastante.
Na saída, enquanto eu autografava livros, um rapaz perguntou:
"Nossa, Amuri, você é sempre calmo assim?".
Sempre, meu amigo. Aqui não tem furdunço, aqui a gente vive hidratado, aqui a gente come granola, aqui a gente ri na cara da pressa.
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