Sobre a educação financeira e o Youtube (ou "por que você não vira um youtuber, Amuri?")
Raramente passa uma semana sem que alguém me faça uma pergunta parecida com as que dão título a esse texto. Às vezes é um amigo próximo, às vezes alguém que me lê há algum tempo e gosta, às vezes uma banco/corretora interessada em patrocinar o conteúdo que produzo. Não importa muito, o fato é que grande parte das pessoas, pelos mais diversos motivos, acreditam que o Youtube é um caminho quase natural.
Eu mesmo já me perguntei "será que seria uma boa?" muitas vezes. Consumo muito conteúdo maravilhoso de lá, sou fã de um monte de gente. Esses dias eu fui encontrar com um amigo em um restaurante e cruzei com o Tavião, faltou pouco pra eu ir lá incomodar, dar um abraço, pedir um autógrafo e oferecer um café. Não tenho nada contra os youtubers, eu literalmente ~tenho até amigos que são~.
Listo aqui alguns motivos pelos quais acho essa ideia ruim, deixando claro, logo de saída, que são ponderações que se aplicam exclusivamente ao meu cenário.
Vamos lá.
1) Me tomaria muito, muito tempo
Se você não tem relação próxima com algum youtuber, provavelmente terá dificuldade de imaginar o desafio que é colocar vídeos bem feitos e editados no ar, com uma frequência mínima. A coisa toda passa longe de colocar a câmera no tripé, filmar e fim de papo. Tem pesquisa, tem cenário, tem edição, tem todo um trabalho de inteligência na escolha de título, descrição, thumbnail e divulgação. É um trabalhão.
Hoje divido meu tempo e energia entre minha atuação como consultor financeiro (consultorias individuais, projetos para escolas, empresas, produção de conteúdo, etc.) e a gestão do Lugar. Em semanas mais cheias, passo facilmente mais de 50 horas trabalhando. Imagina que loucura seria acumular mais essa obrigação?
2) A ideia de ser refém da plataforma me assusta
O Youtuber vive de visualizações. E a plataforma escolhe quais vídeos serão exibidos e sugeridos aos usuários. Você pode usar um truquezinho ou outro, escolher bem o thumb, escolher bem o título, mas no fim do dia o youtuber é funcionário da plataforma (e nós todos somos escravos de algum algoritmo obscuro que decide o que é relevante e o que não é).
Chega a me dar uma agoniazinha cada vez que ouço alguém falando "já deixa o like! assina meu canal! aperta no sininho! por favor, isso é muito importante!". Esse desespero não é a toa. Ou você dá conta de convencer seus espectadores a convecer o Youtube que seu conteúdo é relevante, ou você desaparece.
Já escutei, de muitos youtubers, algo como "eu alterno entre vídeos relevantes que eu gosto de fazer e vídeos que eu faço só pra agradar a plataforma e manter o engajamento".
3) Gosto de oferecer uma experiência sem muitos ruídos para quem me acompanha
Veja o print abaixo.
É isso o que apareceu quando eu cliquei em um dos vídeos do meu canal favorito, o Saúde Na Rotina.
Eu só queria saber o que acontece quando você fica muito tempo sentado. Só queria assistir o videozinho. Tranquilamente. Sem grandes interrupções. Mas minha tela foi inundada por sete anúncios. Sete. E eles continuarão pipocando no decorrer do vídeo, insistentemente.
Você lá, feliz lendo um texto sobre planejamento financeiro, ou até mesmo assistindo um vídeo onde alguem comenta sobre um tema mais denso, e de repente aparece um popup escrito CORD HOSENBECK PRESENTS HIS STUNNING WIX WEBSITE.
Nada contra o Cord, mas já temos distrações demais.
4) O modelo de rentabilização é tosco e caótico
Bom, todos precisamos pagar o aluguel e o mercado (e alguns têm que pagar o IPVA da Mercedes).
Portanto, para manter esses sistema todo funcionando e os produtores felizes, o Youtube tem que vender um recurso caro, cobiçado e escasso: nossa atenção. O youtuber, em si, tem pouca escolha. Ele está participando de um ecossistema genial (e um pouco perverso). Ou ele apoia esse movimento todo, ou terá grandes problemas para se sustentar.
A outra opção é trabalhar com os maravilhosos ~publis~. Este assunto, aliás, me leva para o quinto ponto.
5) Sobre trabalhar para marcas
Este texto está sendo escrito no dia 06/04/2018 e, nos últimos 45 dias, eu fui procurado por 6 bancos. "Começo" de ano, novas campanhas no ar. Os pedidos variavam entre apoio na montagem de uma narrativa mais significativa, criação de conteúdo patrocinado, produção de textos para sites, consultoria para a equipe de criação da agência de publicidade, enfim, uma infinidade de coisas.
De cara, eu fico com o pé atrás e meu primeiro impulso é colocar as minhas condições. A marca (seja ela uma instituição financeira ou não) precisa querer muito e abrir mão de muita coisa para que o projeto vá para frente. Aconteceu pouco nos últimos 6 anos, 3 ou 4 vezes talvez.
Hoje me encontro numa posição confortável, não sou pago para falar bem ou mal de nada, não recebo nada para indicar um produto ou serviço, nem para aparecer assim ou assado (na verdade em 2014 eu participei de uma campanha e um dos sócios da organização comentou que "seria melhor se ele tirasse a barba" – não tirei, como vocês podem perceber).
Tudo o que eu digo por aí é, de fato, a minha opinião. O tom, também, quem escolhe sou eu. As piadinhas de tio, a falta de letras maiúsculas, as fotos do meu cachorro. É um cuidado quase que obsessivo em me manter transparente e idôneo, em todos as iniciativas nas quais me envolvo. Minha preocupação é, sempre, causar o maior impacto positivo possível em quem está consumindo o que produzo. Esse é a minha prioridade.
Não sei até que ponto seria possível me manter dessa forma, se eu dependesse de grandes empresas para seguir. Acho isso especialmente problemático no Youtube. Hoje, a maior parte dos youtubers-de-finanças tem parceria com uma ou mais instituições financeiras.
Acredito, sim, que é possível criar projetos interessantes junto às marcas, mas acho o caminho perigoso. Vejo muitos, muitos publis que são, no mínimo, tendenciosos. Ser um influenciador é uma enorme responsabilidade. Bem complicado recomendar o uso do cartão de crédito "porque dá para ser controlado e ganhar muitos pontos!".
Vou aproveitar o gancho para responder a segunda pergunta do título deste post:
"Mas o que você acha do canal XPTO?"
A maioria dos autores parte de uma base que, na minha opinião, é bastante limitada. Eles consideram que enriquecer e acumular muito dinheiro é algo intrinsicamente bom, que resolve os problemas, e definem que o objetivo primário da educação financeira é ficar rico, muito rico. Atingir a independência financeira.
Li uma entrevista feita com uma youtuber, e ela dizia algo como "meu primeiro milhão está próximo, mas só vou ficar feliz quando tiver cinco, ". Li outra entrevista, onde outro youtuber comenta que em breve pretende viajar apenas de primeira classe ou de helicóptero.
Não tenho 5 milhões para dizer isso com mais propriedade (também não tenho ou pretendo ter um helicóptero), mas, dadas as evidências já comprovadas pela academia – e com base na experiência que eu acumulei nos últimos anos –, eu me atrevo a dizer que é uma abordagem que tende a gerar bastante frustração.
Atendo quase que semanalmente clientes milionários que sofrem, muito genuinamente, por conta de dinheiro. E atendo também clientes vistos como pobres, que desenvolveram uma relação bastante saudável com o dinheiro e, no geral, lidam bem com ele.
É importante ter dinheiro? É.
É legal ter? Putz, é demais.
Abre algumas portas? Ô se abre.
Mas ter um monte não basta e, na minha parca experiência, considerá-lo como "objetivo fim" é um caminho perigoso. É uma premissa que mais atrapalha do que ajuda.
Durante a elaboração da narrativa, essencial para que os vídeos produzidos tenham uma pegada motivacional e tocante, é quase que natural adotar um discurso generalista e meritocrático. Algo na linha do "eu consegui, e você vai conseguir também, eu vou te ensinar!", ou "é só escolher, você pode, se esforce!", ou "os 5 passos que eu usei para enriquecer (e que vão enriquecer você também)!". Geralmente é aqui que eu sinto vontade de clicar em qualquer anúncio que apareça na tela, só para parar de escutar. Não me alongarei nesse ponto, mas é uma crença da qual eu não compactuo. Vivemos em uma sociedade estruturalmente capenga, repleta de desigualdades e injustiças. Se fomos alfabetizados, se não precisamos nos preocupar com a fome e com o frio, se temos disponibilidade cognitiva e emocional para nos preocuparmos com planejamento financeiro, somos privilegiados.
Atendo clientes em situações de extrema fragilidade. Pessoas que trabalham duro, todos os dias. Que dão o melhor, fazem o possível, mas que, por n motivos que fogem do controle, seguirão enrolados, muito enrolados – tenho a sorte de tê-los esfregando na minha cara todos os dias que a vida é uma puta loucura desenfreada, que não há garantia de nada.
Moro com a Gabi, que é socióloga e trabalha diretamente com gente que talvez não tenha o que comer amanhã, gente que talvez vá dormir na chuva hoje. Escuto histórias quase todos os dias, uma pior que a outra, então me dói bastante ver alguém falando "mude seus hábitos! escolhe enriquecer! só depende de você!".
Existe, sim, muito conteúdo interessante relacionado a finanças dentro do Youtube, mas eu tenho bastante dificuldade para distinguir o que é sinal e o que é ruído. Torço para que um sistema de curadoria seja implementado em breve, mais baseado no aspecto qualitativo do que na quantidade de joinhas, para que os produtores de conteúdo – muitos dos quais eu realmente considero geniais – possam pirar livremente, sem grandes preocupações com algoritmos, marcas ou algo do tipo.
"Caraca, Amuri, como você está chato..."
Me desculENTÃO JÁ DEIXA AQUI SEU LIKE, ASSINA MEU CANAL E CLICA NO SININHO PRA NÃO PERDER O PRÓXIMO VÍDEO!!!!!
Brincadeira, amigos.
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