Como conduzir uma roda de conversa sobre dinheiro

Eu não lembro exatamente como essa história toda começou. Acho que eu estava oferecendo uma edição do Pó Mágico, curso sobre finanças pessoas que eu conduzia em 2013, nós terminamos de esclarecer as dúvidas das 20 e poucas pessoas presentes, seguimos conversando e, quando fui me dar conta, havíamos estourado o horário em quase 1 hora. Os assuntos variavam: autônomos compartilhavam as dores e as delícias de uma vida profissional e financeira menos estruturada, pessoas mais hábeis com os próprios números mostravam como construíam as próprias planilhas, outros compartilhavam o quanto gastavam com corte de cabelo, outros comentavam sobre como a infância foi sofrida por conta da vida financeira sofrida dos pais.

Algo estava acontecendo ali.

Eram 20 e poucos desconhecidos. Nenhum deles tinha mais do que 2 pessoas (ou 3, com alguma sorte) para dividir questões relacionados ao bolso. Poucos já haviam contado com um espaço mínimo para dizer “eu não entendo um cazzo de investimentos” ou “faz 5 anos que não sei o que é ter a conta no azul” ou “não conto para minha esposa que tenho empréstimos” ou “passei a vida correndo atrás de dinheiro e estou exausto” e, subitamente, esse espaço surgiu.

Uns se posicionavam com mais desenvoltura, outros com menos, mas o fato é que as conversas de algum modo se aprofundaram, passaram a tocar o chão, o “falta disciplina pras pessoas, né, Amuri” se tornou o “eu realmente não sei porque não consigo ter disciplina, pessoal”. Com algum esforço, passaram a enxergar as questões comuns, que afligem a todos nós: o sentimento de impotência, o medo, o orgulho, o autocentramento, a pressa, o isolamento.

Se sofremos pelas mesmas coisas, por que não nos apoiarmos uns nos outros na busca por soluções? Por que não tomar emprestado o olhar do outro? Por que não tornar coletivas essas inteligências que surgem aqui e ali?

Muitas rodas e um convite

Saí dali bem mexido, decidido a abrir esses pequenos espaços de conversa sempre que possível. De lá para cá, já aconteceram algo entre 150 e 200 rodas. Umas mais técnicas, com um tema mais definido, outras mais caóticas e barulhentas (cariocas são terríveis, amigos), umas mais longas, outras mais curtinhas, umas onde falei mais, outras onde eu praticamente não abri a boca. Rolaram rodas na sala da minha casa (com o Jorginho pulando nos convidados), em auditório chique de empresa multinacional, em chão de fábrica com todos meio suados e sujos de gesso, em café, em boteco, em salão de cabelereiro (?!), em capital, em cidade pequena. Nunca terminei uma roda pensando “putz, essa não valeu a pena ter feito…”, então me pareceu um bom momento para convidar outras pessoas a se tornarem anfitriãs de rodas de conversa em suas respectivas cidades.

Provavelmente é por esse motivo que você está lendo este texto e, de cara, eu já fico ridiculamente feliz. Nunca imaginei que algo tão pessoal, tão acolhedor, tão conectado com minha vida profissional pudesse ser tão escalável e beneficiar tanta gente. :)

A estrutura da roda de conversa: na prática, como funciona?

Antes de começarmos nos detalhes logísticos, vale o lembrete: não existem regras. Estou compartilhando o que venho experimentando por aí. Por favor, não interprete tudo ao pé da letra e não sinta-se forçado a fazer igual. Fique à vontade para brincar em cima disso tudo, a ideia é que essa história toda seja leve e divertida.

Quantas pessoas?

Quando mais de 30 pessoas estão presentes, eu sinto que deixa de ser uma roda de conversa e vira uma palestra. Quando menos de 10 pessoas estão presentes, eu sinto que é mais difícil manter um ritmo interessante do início ao fim (é engraçado ver como somos mais seletivos em nossos comentários – e na duração das nossas explicações – quando temos uma pequena plateia ao nosso redor). Sendo assim, eu diria que algo entre 15 e 25 pessoas seria o ideal.

Onde?

Como eu comentei no início deste texto, dá para fazer em qualquer lugar. Se você puder separar um espaço confortável, com assento para todos, melhor. Eu não gosto muito do formato de roda (!), eu geralmente deixo a coisa um pouquinho bagunçada, com assentos em posições irregulares, tentando transmitir um tom mais informal.

 
Roda de papo em Belo Horizonte

Roda de papo em Belo Horizonte

 

E comida? (YAY!)

Não sinta-se obrigado a oferecer nada. A atmosfera de improviso é ótima, ela deixa as pessoas mais à vontade. É importante ter água e banheiro à disposição, mas todo o restante é completamente opcional.

Na maior parte das vezes, eu me preocupei em levar uma ou duas caixas de chocolate, e geralmente coloco ela na roda dizendo que “pessoal, trouxe um chocolatinho pra quando a conversa ficar meio pesada, fiquem à vontade para pegar aqui, chocolate é mais legal que dinheiro”. E só. Teve uma vez que uma moça levou um bolo de fubá, de maneira completamente aleatória, eu achei bem bonito.

Tem que levantar a mão pra falar?

Vou comentar sobre o papel do anfitrião logo mais, mas acho importante acrescentar um ponto por aqui: garanta que as pessoas consigam escutar umas as outras com clareza e faça o possível para manter a fluidez. Isso parece meio óbvio, mas não é. Veja meu comentário logo abaixo:

Pontos são importantes para facilitar a interação entre os participantes:

  • Distribuição dos assentos de forma aleatória e mais solta: deixar as cadeiras dispersas na sala, sem uma ordem muito simétrica, permitir que os participantes se sentem onde desejarem. O formato de roda, num círculo perfeito, pode inibir a atmosfera de conversa, por parecer tudo muito certinho e formal.

  • Todos precisam escutar uns aos outros: o objetivo é que as pessoas interajam entre si. Pode haver uma tendência dos participantes a se dirigirem apenas a você, nesse caso use de algumas estratégias para, gentilmente, estender a conversa para todos: 

    • peça aos participantes para falarem em um tom de voz que permita a todos ouvirem bem;

    • pergunte se todo mundo conseguiu ouvir a pergunta; 

    • repita a pergunta se necessário;

    • faça comentários sobre as falas dos participantes;

    • peça a opinião de alguém sobre a pergunta de outra pessoa;

    • conecte um assunto ao outro para dar prosseguimento a conversa; 

    • incentive a simulação de cenários (por exemplo, peça para alguém imaginar como investirá seu dinheiro quando terminar de pagar suas dívidas);

    • fomente a participação de todas as pessoas presentes, procure não deixar ninguém excluído do papo.

  • Observe e leia os sinais das pessoas: não se iniba caso perceba que algum participante está entediado, mas atente para propor uma quebra de dinâmica, contar um caso mais descontraído, propor uma atividade.

  • Construa pontes entre as pessoas e entre os assuntos.

  • É interesse estar atento se alguém tentou falar algo, mas outra pessoa não percebeu e começou a falar por cima. Se isso ocorrer mais de uma vez, a pessoa pode simplesmente desistir de falar e só se sentirá à vontade se você lhe perguntar se ela deseja acrescentar algo a discussão.

O papel do anfitrião

Você não precisa saber as respostas de todas as perguntas que surgirem. A roda de conversa não é um espaço de perguntas e respostas, a ideia não é que as pessoas saiam da roda com a sensação de “poxa, agora eu sei onde investir!” ou “putz, finalmente vou unificar minhas dívidas e resolver essa novela”. Seu papel é criar um ambiente inclusivo e receptivo, para que o conhecimento seja compartilhado e as dúvidas sejam acolhidas.

Por enquanto este texto está disponível apenas aos alunos dos meus programas de acompanhamento, então é provável que você tenha condições de endereçar algumas dúvidas mais simples e dividir suas experiências mas, de todo modo, você contará com o meu suporte. Anote as perguntas que surgiram e que não puderam ser resolvidas no grupo em um local à parte, organizado, em texto, e compartilhe em nosso grupo de WhatsApp. Eu responderei todas as dúvidas que aparecerem por lá, uma vez por semana. Explico mais no áudio abaixo:

Um exercício chave

Com o tempo você aprende a fazer com que as pessoas se abram e dá o tom do papo mais rapidamente – lembre-se que nosso objetivo é fazer com que as falas sejam autênticas e pessoais, no fundo é isso o que a gente quer: conexão.

Para facilitar esse processo, eu costumo utilizar um exercício simples, que dura literalmente 2 minutos e que pode ser realizado múltiplas vezes, caso queiram. Eu geralmente faço apenas 2 rodadas. Explico o exercício no áudio abaixo.

 
Exercício rolando em Uberaba :)

Exercício rolando em Uberaba :)

 

Passo-a passo do exercício:

  • Peça para que as pessoas sentem em dupla. De preferência, a dupla não deve se conhecer. Dessa forma, separe casais ou amigos que vieram juntos para a roda;

  • Se o número de pessoas na roda for ímpar, o anfitrião deve participar da roda. Se for número par, o anfitrião apenas observa e cronometra a atividade;

  • Explique os papeis do falante e do ouvinte de cada dupla:

    • Falante: é a parte mais fácil, deve contar sua vida financeira em 1 minuto. Podem utilizar a narrativa que acharem mais adequada, como falar sobre o histórico familiar em relação a dinheiro; fazer um relato mais analítico, citando valores gastos por mês; ou então ter uma fala mais solta em relação as próprias finanças. Qualquer que seja a narrativa adotada, é necessário oferecer um panorama de sua vida financeira em 1 minuto, nem mais nem menos.

    • Ouvinte: possui a grande tarefa de escutar o falante sem esboçar nenhum tipo de reação (sorrir, franzir a testar, etc.) e sem dar nenhum conselho ou bronca. Durante a fala do companheiro de dupla, o ouvinte deve se auto-observar e perceber as reações e sensações despertados diante do que está ouvindo (por exemplo, uma sensação de mal-estar diante de algum problema mencionado ou estranhamento por uma pessoa que ganha mais do que o ouvinte, mas possui maiores dificuldades em manter as contas em dia, etc.). É uma observação interna sobre as sensações despertadas diante do que se está ouvindo.

  • Faça a primeira rodada do exercício, lembrando de cronometrar a atividade; 

  • Na segunda rodada, peça para quem foi o ouvinte na primeira rodada que se torne o falante, e vice e versa. Para facilitar e gerar menos confusão, peça para que todos os falantes da primeira rodada se levantem e troquem de cadeira (os ouvintes devem permanecer em seus assentos).

Depois da segunda rodada do exercício, as pessoas podem voltar aos seus lugares anteriores. Começa então uma troca de percepções sobre o exercício. Aproveite esse momento para tentar incluir as pessoas mais tímidas, que falaram pouco. Pergunte sobre quem fez o exercício com essa pessoa, se foi fácil escutar, se tem algum conselho a dar, etc.

A partir daí, surgirão várias histórias interessantes e que podem ser ganchos para desenvolver o assunto da conversa. Fique atento as “deixas” dos participantes e sugira, delicadamente, que os participantes compartilhem suas histórias e percepções. Provavelmente, haverá momentos de empatia entre os participantes e de reconhecimento na história do outro. Extraia 4 ou 5 boas histórias, que darão a tônica da conversa. Alguns ganchos para dar prosseguimento a roda:

  • pergunte quem adotou uma estratégia mais analítica, falando de valores gastos ou porcentagens do salário que dispende com cada categoria de despesa (aluguel, alimentação, etc.). 

  • se alguém disser que gasta muito ou pouco com determinado item do orçamento, fomente a discussão em grupo sobre esse gasto ser caro ou não de acordo com a realidade de cada um.

  • alguns assuntos, como por exemplo escola para crianças, são mais específicos, pois nem todos terão filhos. Mas é possível facilmente direcionar a questão para algum ponto universal, como gastos com supermercado ou transporte.

  • se as pessoas não tiverem uma noção clara dos seus gastos, aproveite para dar alguns conselhos e dicas sobre como analisar suas despesas, por exemplo dividi-los em gastos fixos, variáveis e sazonais.

  • procure incentivar que as pessoas compartilhem seus números sobre despesas mais universais e descrevam suas rotinas de compra (se vão ao supermercado, na xepa da feira, recebem caixa de alimentos orgânicos, etc.).

Observe se as pessoas estão se abrindo ou não durante a roda para compartilhar suas experiências com o dinheiro. Esse exercício fornece uma boa base para analisar o andamento da roda.

Para finalizar, pergunte aos participantes porque eles acham que o exercício tem uma duração tão curta, de apenas 1 minuto por rodada. Ouça algumas respostas e depois explique que o objetivo é ter um termômetro sobre a clareza que as pessoas possuem em relação a suas vidas financeiras. Geralmente, quando se tem uma vida financeira bem estruturada e descomplicada, é possível explicá-la mais facilmente, de maneira simples. Quando a vida financeira está mais “bagunçada”, a explicação, normalmente, também é mais caótica. 

Aproveite o gancho do exercício para falar sobre a importância da simplificação da vida financeira. Aborde, brevemente, questões como a estrutura bancária (cartões de crédito e de débito em mais de um banco, etc.), finanças para casais, planejamento financeiro. Não precisa ser uma fala técnica, apenas trocar algumas dicas e conselhos. Lembre-se, você não está lá para dar aula.

A importância de um bom “abre” (e uma ferramenta quase mágica)

Vulnerabilidade é a chave aqui, amigos.

Escute o áudio abaixo com atenção, é uma das partes mais importantes de todo o processo.

A fala de abertura da roda é muito importante pois ela acaba dando o tom para a roda. Dois aspectos que devem estar presentes na sua fala: ela deve ser pessoal (e não genérica) e deve demonstrar abertura e vulnerabilidade. Não fantasie, não utilize eufemismos, seja sincero e direto ao ponto.

Se a fala de abertura for muito genérica, falando dos brasileiros em geral e não de você mesmo, os participantes não se sentirão à vontade para se abrirem e também falarão apenas genericamente. A vulnerabilidade inspira empatia.

Monte uma pequena narrativa com duração de 5, 10 ou, no máximo, 15 minutos. Conte das dificuldades financeiras que você enfrenta ou já enfrentou. Não utilize um tom de história de superação típica das narrativas americanas (nada de jornada do herói aqui). A fala deve motivar as outras pessoas a embarcarem no processo.

Como encadear isso tudo? Mais ganchos!

 
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A melhor estrutura, na minha opinião:

  • Abertura do anfitrião: 15 minutos, no máximo;

  • Se a roda for pequena e composta por desconhecidos, deixe que todos se apresentem brevemente’

  • Pergunte a motivação das pessoas para estarem naquela roda e porque o planejamento financeiro é um ponto que suscita o interesse;

  • Exercício de 1 minuto: rápido, mas fornece insumos para o resto da conversa. A conversa talvez dure de 30 a 40 minutos. Caso seja necessário, faça mais uma rodada do exercido de 1 minuto. Explique que abrir a própria vida financeira e descrevê-la com habilidade é um processo "muscular", vai ficando mais fácil com a prática.

  • Em seguida, trabalhe com grandes perguntas, que gere reflexões mais profundas. Algumas ideias (ganchos) para fomentar a discussão:

    • Faça a brincadeira do caixa eletrônico quebrado (expliquei no áudio acima!);

    • Sugira a realização do exercício de Fotografia em um papel (não está explicada no áudio, mas está bem detalhada no curso e no livro DSM);

    • Diga qual tipo de planejamento funciona melhor para você. Pergunte qual o planejamento adotado pelos outros participantes, peça alguns detalhes (se é feito no papel, em planilha, no aplicativo, etc.), peça exemplos. 

    • Pergunte como as pessoas organizam o dinheiro no dia a dia, se com dinheiro vivo ou cartão, por exemplo;

    • Pergunte os pontos fracos e fortes na organização pessoal das finanças de cada um;

    • Peça para contem uma coisa boa que elas fazem, em termos de inteligência financeira, algo benéfico. Enfatize que todos terão algo para dizer (mesmo que alguém diga que faz tudo errado).

  • Fechamento

Ajuda aí, Amuri

Claro que ajudo :)

Vocês contarão com todo o suporte, na divulgação e no esclarecimento de dúvidas. Veja o áudio abaixo:

Se possível, peço que tentem conduzir pelo menos 1 roda no primeiro trimestre deste ano (até março). Caso necessitem de auxílio, posso divulgar os eventos nas minhas redes.

Me avisem quando estiverem com a roda marcada!

Para que eu possa acompanhar todo o processo, por favor, cadastrem a roda de vocês. É só preencher esse formulário aqui→. É bem rápido.

Estou disponível no nosso grupinho de WhatsApp, caso surja qualquer dúvida.

Um abraço grande e seguimos!

eduardo antunes