Planejamento financeiro, às vezes, é arrancar um band-aid

De maneira geral, eu sempre fui meio ruim com meios de transporte. Segundo minha amiga Amanda, a viagem que fizemos juntos, comigo guiando, entre São Paulo e Ilha Grande, foi um dos top 3 piores traslados que ela já experimentou na vida – "foi um misto de tédio e desespero que eu nunca imaginei que fosse possível sentir". Também não sei andar de bicicleta muito bem, nunca consegui andar de patins, nado extremamente mal, não caibo num kart e sou pesado demais para os patinetes. É um fardo que eu carrego e que já não me pesa. Minha companheira dirige bem, eu me viro bem com o metrô, pego táxi, uber, enfim, dou um jeito.

Na verdade eu me acostumei com essa pecha porque ela já é antiga, tem décadas. Constatei essa realidade quando eu tinha 12 anos e fui passar um final de semana em um sítio, em Atibaia, no interior de São Paulo, com a família do Paulo, grande amigo de infância. Paulo, por sua vez, é ótimo com meios de transporte, tanto que, na época, com 13 anos, ele tinha uma daquelas motinhos, com motor e tudo, e os pais dele deixavam que a gente guiasse na rua do sítio. "A gente" é muita gente. O Paulo guiava, pra mim aquilo era a coisa mais complicada do mundo. Mas teve um dia que ele insistiu. "Vai, Edu, tenta você, você vai devagarzinho".

Aceitei o convite, munido de algum entusiasmo juvenil. Subi na moto e coloquei a mão na chave. Dois segundos depois eu dei um berro com todo o ar que tinha no peito. Dor, muita dor. Ao invés de colocar o pé no suporte lateral da moto, eu havia colocado o pé no troço que tinha atrás e, com isso, soquei a panturrilha no escapamento, que estava fervendo.

Foram algumas semanas de curativos: pomada, gase, esparadrapo, pomada, gase, esparadrapo. Cada vez que eu tinha que desfazer o curativo era meia horinha de sofrimento, porque eu era teimoso igual uma porta e não deixava minha mãe fazer. Eu que queria puxar aquele maldito esparadrapo, e eu puxava len-ta-men-te, milímetro por milímetro.

Minha mãe se compadeceu no primeiro dia, tentou tomar a frente, mas eu não deixei e ela, com toda a razão, foi cuidar da vida. Todo dia, o mesmo ritual, o mesmo escândalo. Certa vez, porém, ela decidiu intervir: "filho, se você puxar de uma vez só você termina muitíssimo mais rápido e sofre muitíssimo menos". Que conselho sábio.

É neste momento que este texto deixa de ser uma crônica meia-boca sobre minha adolescência e se torna um texto sobre educação financeira.

Tenho conversado sobre dinheiro com centenas de pessoas e, como era de se esperar, todos estão assustados, tentando lidar com esse período dolorido e complicado que estamos enfrentando. É inegavelmente difícil, com certeza, e educação financeira não é bala de prata, mas muitas vezes nós estamos tornando tudo ainda mais complicado ao optarmos por "tirar esse esparadrapo" len-ta-men-te, igual meu eu-de-12-anos. Numa tentativa de amenizar a dor que provavelmente virá ao encararmos os números, optamos por sofrer a conta-gotas (muitas vezes com a melhor das intenções).

Vou comentar dois cenários reais que acompanhei nos últimos dias, com as respectivas sugestões, deixando claro, de antemão, que de maneira nenhuma a ideia aqui é passar a impressão de que "é fácil, é só fazer", nem tampouco que essas são as melhores rotas em todos os casos. Mais do que nunca, nesses tempos duros, é fundamental que dobremos a dose de carinho e paciência conosco e com nossos números. Vamos lá:

Família com reserva de emergência pequena

A família do Rafael têm um custo mensal de R$ 4.000, uma renda familiar de R$ 6.000 e uma reserva de emergência de R$ 8.000. O Rafael e a Julia (esposa) trabalham na mesma empresa e logo no início da pandemia foram comunicados que terão uma redução de jornada. Passaram a trabalhar meio-período e, por consequência, receberam metade do salário.

A renda familiar caiu para R$ 3.000. No fim do mês, como era de se esperar, faltou dinheiro para cobrir as contas. Rafael recorre a reserva de emergência e saca R$ 150,00 para pagar a conta de luz. A sensação de mexer na reserva de emergência é horrível, mas não dá pra não pagar a conta de luz. Eles ficam arrasados. Na semana seguinte falta dinheiro para o mercado e eles ficam em dúvida se faz mais sentido entrar um tiquinho no cheque-especial ou se é melhor recorrer à reserva de emergência de novo. Recorrem à reserva, sacam mais R$ 200,00 e sentem aquela sensação ruim de novo. O cenário se repete e, a cada vez que o dinheiro falta e eles precisam recorrer à reserva, eles se desdobram para sacar apenas o estritamente necessário. Um mês depois estão exaustos com todo o malabarismo.

Por mais que pareça sensata, essa estratégia de efetuar diversos saques pequenos é insustentável e extremamente custosa do ponto de vista emocional. Surge uma sensação de auto-sabotagem e inadequação a cada vez que precisamos lançar mão de um recurso guardado de maneira tão sofrida.

Rafael e Julia sabem que conseguem viver de maneira bastante razoável com os R$ 4.000 por mês, então, provavelmente, seria muito melhor complementar a renda mensal de uma só vez, com um saque único. Será dolorido, eu sei, mas é um desconforto pontual, que os acometerá de uma só vez e possibilitará que sigam com o restante do mês sem tantas manobras.

Autônomo sem fluxo de caixa e sem reserva

Manuela é fonoaudióloga e atende majoritariamente crianças com dificuldade na aprendizagem da fala. Atende em consultório e em casa. Por conta da pandemia, viu seu faturamento cair pela metade. Conseguiu negociar o aluguel da sala, o que foi providencial, mas mesmo assim a conta não fecha. Ela decidiu não entregar a sala nem dispensar a secretária e foi empurrando, de pouco em pouco. Pagou o cartão com atraso e com juros, atrasou o condomínio, renegociou o salário da secretária, cancelou a faxina semanal.

No fundo, ela sabe que essas medidas que ela tomou são paliativas, elas não resolvem o déficit na operação, ela segue gastando mais do que está faturando e provavelmente não há muito o que se fazer quanto a isso, salvo apertar o cinto e buscar novas fontes de renda, mas essa falta de fôlego financeira é extremamente perturbadora.

Neste caso, após elaborar um planejamento financeiro minucioso, é provável que faça sentido buscar um empréstimo que possibilite manter os boletos pagos e a conta no azul (importante: sempre pesquisar em diversas instituições financeiras).

Se colocar na posição de endividado é ruim, claro, mas contrair uma dívida caríssima (cheque especial, cartão de crédito, etc.) é muito pior. Assim que as atividades forem restabelecidas, Manuela pode, inclusive, antecipar a quitação do empréstimo tomado.

Os dois movimentos são desconfortáveis (sacar a reserva de emergência e contrair um empréstimo) mas, se bem planejados, ambos são caminhos válidos e sustentáveis, em especial se levarmos em consideração que é provável que sigamos enfrentando os impactos da crise por mais tempo do que gostaríamos de admitir.

Respira fundo, puxa um amigo para conversar, abra o jogo com seu companheiro ou companheira, pega aquela planilha velha de Excel, resgata aquele caderninho onde você rabiscou seus planos financeiros para este ano. Se negar a olhar para determinada situação não faz com que ela deixe de existir e, no geral, essa displicência, mesmo que extremamente justificada, custa caro.


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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eduardo antunes