O caminho mais fácil
Quando mudei para Brasília, há pouco mais de 6 meses, iniciei uma busca intensa por este cabinho.
Não é nada muito elaborado, é só um extensor, que me permitiria utilizar o fone (com fio) sem que o fio ficasse pendurado na frente da minha cara ou por cima do teclado — normalmente utilizo um fone sem fio, mas nos dias em que a agenda de reuniões é mais intensa a bateria não aguenta. Depois de ligar em todas as lojas da cidade, recorri a este pardieiro moderno chamado internet e, depois de uma horinha frustrante de busca, encontrei o bendito. O problema é que demoraria 45 dias para chegar, já que viria direto da China. Deu preguiça, resolvi deixar para depois, nem estava incomodando tanto assim. Passaram-se algumas semanas e o mesmo movimento se repetiu. Busquei, achei, vi o tempo de entrega, desisti. Acabei ficando sem o cabinho.
Passado um semestre, nessa semana, resolvi aproveitar que já estava com a mão na massa, comprando outras coisas online, e busquei novamente pelo "extensor usb-c macho fêmea 1 metro". Apareceu um novo anúncio, cuja descrição era: "Extensor USB-C macho fêmea — AGORA NO BRASIL!". Abri, fiz a simulação do tempo de entrega. Um diazinho. Só um. Botei lá os números do meu cartão de crédito com gosto e degustei a alegria daquela vitória por longos minutos.
O cabo chegará nesta segunda-feira, dia 18/01 e, em nome da galhofa, eu resolvi pesquisar em qual data, exatamente, eu busquei-o pela primeira vez. Achei no histórico do navegador: 8 de agosto de 2020. Em resumo, fazendo um aprofundamento inútil dessa minha transação de 25 reais, foi como se o cabo tivesse demorado 160 dias para chegar, simplesmente porque o cenário inicial ("compre agora, receba em 45 dias") não foi sedutor o bastante para que eu colocasse a mão no bolso.
Eu fui bombardeado por algumas centenas de malditos anúncios durante esses quase 6 meses, e essa chuva de estímulos não foi capaz de me colocar me movimento. Por que, afinal, agora, depois de tanto tempo, eu finalmente efetivei a compra da minha bugiganga? Se eu já sabia que viveria bem sem ele e que, portanto, poderia esperar tranquilamente pelo longo período de entrega, por que eu não comprei lá atrás, quando cheguei na cidade?
A resposta é simples e poderosíssima: tão importante quanto a presença massiva de estímulos é a total ausência de fricção. Cada pequeno obstáculo entre o ponto A e o ponto B afetará de maneira devastadora o comportamento do sujeito, instável e falho, que será submetido ao processo. Esse sujeito meio bobão, no nosso exemplo, sou eu e a fricção, neste mesmo exemplo, é a fagulha de frustração que surge no exato momento em que leio "prazo de entrega: 45 dias".
Estou compartilhando essa minha historinha despretensiosa para ilustrar o processo, mas estamos constantemente participando dessa dinâmica capciosa: fazer o mais fácil, fazer o que está a mão, buscar o caminho mais cômodo. O jeito que lidamos com nossa saúde, o jeito que conduzimos nossos relacionamentos, a maneira com que lidamos com o dinheiro. Em linhas gerais, fazemos o que fazemos, em grande parte, porque é o caminho lógico e energeticamente eficiente dadas as variáveis que estão na mesa.
Isso posto, se desejamos mudar determinado comportamento (nosso, de outro indivíduo ou de um grupo imenso de seres) é fundamental que desenhemos processos fluidos e bem costurados.
"Foi tudo tão tranquilo que, quando eu fui ver, já tinha ido" — a construção gramatical dessa frase é questionável, mas ela representa, em bom português, o termo "seamless", amplamente utilizado dentro das ciências comportamentais. Se você não gostou da utilização da frase, veja pelo lado positivo, pelo menos eu não citei aqui o saudoso Nunes, jogador do Flamengo da década de 80, que emplacou o maravilhoso bordão "a bola ia indo, indo, indo e iu!"
As grandes empresas sabem disso. Não à toa os setores de "experiência do usuário" se tornam cada vez mais comuns. São inúmeras cabeças geniais desenhando processos tão bonitos e gostosinhos que ficamos sem saber se estamos nos movendo porque temos vontade ou simplesmente porque tudo parece ridiculamente óbvio e natural.
As "compras com 1 clique", os serviços por assinatura, os centros de compra milimetricamente pensados, o script do atendimento, os cheiros, os detalhes, é fácil identificar o desenho de contextos "fluidos" sendo amplamente utilizado como ferramenta para melhorar métricas corporativas, mas podemos extrapolar essa utilização, que é rasa e, de certa forma, pobre, posto que não necessariamente contribui para o bem-estar dos que estão sujeitos ao processo.
É isso o que vamos explorar no próximo texto. Trarei alguns exemplos, corporativos ou não, de como o desenho de contexto e a remoção das fricções gerou benefício real aos que foram impactados.
Por enquanto, deixo a provocação: na prática, você é capaz de identificar de que forma a presença ou ausência desses obstáculos influencia o seu comportamento? Sua rotina? Você seria capaz de listar momentos específicos em que você foi levado a decidir por A ou B por conta da presença ou ausência de pequenos problemas?
Seguimos, amigos. Pelo caminho mais fácil, provavelmente.
Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.
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