Como consumir conteúdo sobre o mundo financeiro

Pessoas queridas, todos os dias uma enxurrada de conteúdo relacionado a inteligência financeira é produzida na internet. Notícias, videos e textos opinativos, relatos em primeira pessoa, episódios de podcast, é uma lista sem fim, que cresce em um ritmo frenético, capaz de enlouquecer qualquer um que se propõe a acompanhar de perto as novidades. 


Frequentemente me perguntam como faço para estar a par de tudo e minha resposta é um cadinho frustrante: eu não estou. Meus colegas de faculdade, que não tem absolutamente nenhuma relação com o mundo das finanças, na maior parte das vezes, estão mais inteirados do que eu – fico de fora, deliberadamente (e não é porque eu sou diferentão descolado too cool for school). Eu o faço por três motivos: 1. o tempo e a energia necessários para "estar em dia" são gigantescos, 2. minha saúde mental sofreria imensamente, a nossa relação com o universo financeiro é tenebrosa, é uma tragédia atrás da outra e 3. a maior parte do conteúdo produzido existe, pura e simplesmente, para agradar um algoritmo e movimentar o mercado publicitário, eles não geram benefício algum, não melhoram a vida de ninguém. 


Existem coisas maravilhosas sendo produzidas todos os dias, porém, e essa é uma questão do nosso tempo: como escolher? Nesse cardápio infinito, onde investir nossa atenção? 


Vou compartilhar o critério que utilizo por aqui. Não é infalível, não é impecável, mas me ajuda na maior parte do tempo e eu espero que ajude vocês também. Desconfio que funciona bem em diversas áreas, vou ficar feliz em escutar outras experiências, me deem um oi lá no meu instagram


São duas perguntas chave, ambas muito eficientes:


Pergunta #1: essa peça resistiria ao tempo? Se algum ser cruzar com essa exata peça de conteúdo em 2032, daqui 10 anos, ele conseguirá tirar aproveitar, mesmo que parcialmente, o que está sendo exposto por lá?


Pergunta #2: existe um tom de desespero no título? Alguém está loucamente interessado em me fazer clicar no link? Existe um componente "aspiracional"?


Vamos testar com alguns exemplos que seriam descartados de acordo com esse critério: 


  • Veja quais são os melhores investimentos com a taxa SELIC em 9.25% – nos próximos meses a taxa SELIC vai ser reajustada meia dúzia de vezes, amigos. Não existe truquezinho, não vamos ficar brincando de lobo de wall street, não existe investimento bom pra esse mês e ruim pro próximo. Em 2032, o post seria relevante?


  • Descubra como conquistei a independência financeira com criptomoedas! – aqui vou oferecer o benefício da dúvida ao autor e considerarei que ele é um cidadão bem-intencionado. Posto que o ecossistema das criptomoedas ainda está engatinhando, é insanamente volátil e exposto a uma série de variáveis que estão completamente fora do nosso controle, a estratégia que o autor usou vai funcionar em outro espaço de tempo? Em 2032 alguém conseguirá replicá-la?


  • O melhor aplicativo para acompanhar sua carteira de ações [cupom na descrição do vídeo!] – é uma opinião isenta? É uma opinião qualificada? Eu deveria levar em consideração a fala de alguém que, literalmente, recebe alguns dólares a cada vez que convence outra pessoa a comprar tal produto? 


  • Tudo sobre a nova fintech rosa choque! – daqui 2 ou 3 anos é provável que a fintech rosa choque nem exista mais. 


Em contrapartida, algumas peças que passariam no crivo.


  • Por que o Banco Central eleva (ou reduz) a meta para a taxa SELIC? – era relevante há 10 anos, é relevante hoje e será relevante em 2032. Título explicativo, pé no chão, informativo e direto ao ponto.


  • O que é o metaverso? NFTs e smart contracts, do básico ao avançado – tema extremamente atual, estará presente pelas próximas décadas. Peça que provavelmente se mostrará mais útil do que o tradicional "Entenda tudo sobre o novo ETF que investe no Metaverso! Oportunidade da Década!".


  • Uma entrevista com Daniel Kahneman – Quando o Valor Econômico foi lançado o Kahneman já tinha 38 anos de trajetória acadêmica (hoje seriam 59). Logo mais ele completa 20 anos só de prêmio Nobel. A chance dessa entrevista não acrescentar algo é pequeníssima.


"Todo mundo deveria ser meio chato igual você na hora de decidir onde clicar?"


Claro que não, amigos. Estou compartilhando como faço, na expectativa de que vocês consigam adaptar e aproveitar algo por aí. 


"E você só consome conteúdo assim? Você aplica essas duas perguntas e pronto? Bem certinho?"


Não, amigos. Não é assim, preto no branco, mas eu tento policiar meu consumo na maior parte do tempo. O custo de oportunidade é sempre altíssimo: dedicar 30 minutos a algo é, necessariamente, não dedicar 30 minutos a todos as outras coisas. Então, em se tratando do mundo financeiro (o que, para mim, se relaciona bastante com trabalho), faço uma dieta razoavelmente rigorosa. 


Mas com perfis que divulgam fotos de cachorros e bichos fofos eu costumo ser muitíssimo liberal, é sempre uma alegria. Vocês seguem a Euro, essa cadelinha tailandesa? Pois deveriam. 



Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

Pessoas queridas, as vagas para o Dinheiro Sem Medo e o Finanças Para Autônomos, meus programas de acompanhamento, estão abertas! Clique aqui → para saber mais.

Heloísa Sanchez