Planejamento para cansados

Depois do planejamento financeiro para quem é de exatas, planejamento para quem não é de exatas, planejamento para o primeiro milhão, planejamento para trocar de carreira, planejamento com planilha, planejamento com aplicativo, planejamento quântico e planejamento supersônico, este contexto escabroso no qual estamos inseridos neste início de 2021 faz com que uma modalidade seja inaugurada. Muitos, inclusive, alertam para o fato de que, atualmente, esta nova frente, inovadora, que já vem com um apelo de marketing maravilhoso logo no título, é o único caminho possível. Amigos, lhes apresento o planejamento para cansados.

É tão simples que, ao invés de precisarmos de um livro, uma playlist de vídeos ou uma série de episódios de podcasts, vamos precisar só desse texto. Não vamos analisar histórico de gastos, não vamos projetar patrimônio e nem vamos estimar potencial de poupança. A ideia aqui é tentar oferecer uma alternativa a alguém que solte o justíssimo: "Amuri, estou exausto, no ponto de não abrir mais site de notícia pra não surtar de uma vez, o máximo que eu consigo fazer aqui, com muito esforço, é parar por 5 minutos e olhar mais ou menos para meus números. Qual é a melhor forma de utilizar esses 5 minutos?".


Se dispomos de apenas 5 minutos é crucial que foquemos no que gerará mais resultado e, por resultado, neste contexto específico, me refiro a sensação de bem-estar e controle, e não "orçamento positivo", mudança drástica no padrão de consumo ou qualquer outra métrica que, em outro contexto, pode fazer sentido.

Em termos de planejamento financeiro, nada gera um efeito tão reconfortante quanto ganhar previsibilidade sobre os nossos números. É como se a sensação sutil de controle (mesmo que ilusório) fosse capaz de nos dar um afago. Entendo esse ganho de previsibilidade como algo positivo, independentemente da saúde financeira.

Por anos acreditei que essa previsibilidade seria algo menos desejável aos que estão enfrentando um momento financeiro delicado, afinal, quão agradável seria enxergar números ruins? Eu acreditava naquela máxima de que "tem hora que a situação está tão ruim que é melhor nem olhar", hoje acho essa afirmação uma bobagem. Não é como se conseguíssemos nos alienar ao ponto de esquecer que precisamos lidar com nossos números, não é como se efetivamente conseguíssemos relaxar, os problemas seguem por lá, bem como o incômodo por eles gerado.

Cada vez que metaforicamente apertamos o botão "soneca" da nossa mente, para ganhar mais um par de dias sem precisar pensar nisso, uma ligeira inquietação surge, um sensação interna de débito, que vai se acumulando, acumulando, acumulando, até que se torna tão desconfortável, mas tão desconfortável, que trocá-la por uma realidade bagunçada, porém tratada com responsabilidade, é um alento.

Após defender que esse ganho de previsibilidade é algo desejável aos cansados que têm dinheiro sobrando e aos cansados que não têm dinheiro sobrando, vou seguir com a parte prática.

Escreva no topo de um pedaço de papel o quanto você tem na conta hoje. Algo assim, bem simples mesmo:


 
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No rodapé desta mesma folha de papel, escreva “Saldo no próximo dia 30” e deixe um espaço em branco, à direita desse pequeno texto:

 
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Agora separe 2 minutinhos por aí e dê seu melhor chute. Quanto você terá na conta no próximo dia 30. Se for um valor muito positivo, escreva por lá. Se for um valor muito negativo, coloque por lá também. É só um chute. Sei que imprevistos acontecem, mas, tomando por base o que você sabe hoje, neste momento, quanto você vai encontrar por lá no dia 30?

 
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Chute dado, separe mais alguns (poucos) minutos para melhorar esse chute através de boas perguntas. Exemplos que podem ser úteis: 1. “coloquei ali que espero ter 600 reais no fim do mês… eu considerei todos os créditos e débitos que vão acontecer entre hoje e o dia 30?”; 2. “eu separei algo para os gastos variáveis? ou só considerei os gastos fixos?”; 3. “a fatura do meu cartão de crédito vai cair nesse meio tempo? se sim, eu levei isso em consideração?”. Podemos seguir refinando indefinidamente, até que esse chute fique tão bom quanto possível, mas essa não é a ideia por aqui.

Você pode utilizar essa mesma folha de papel para rabiscar algumas continhas:

 
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Queremos algo que se resolva e seja proveitoso muito rapidamente e eu posso afirmar, sem nenhuma hesitação, que um exercício simples de previsão vai ajudar, por duas razões principais:

  1. Estamos controlando tão pouco da nossa vida ultimamente, amigos, nunca tivemos tantas mudanças radicais de rotina em tão pouco tempo, vai ser bom ter uma previsão mínima de algo tão íntimo (o saldo bancário), mesmo que essa previsão seja ruim, mesmo que ela só sirva para trazer um conforto passageiro.

  2. Você talvez seja acometido por um viés cognitivo que costumamos chamar de “falácia dos custos irrecuperáveis”, mas que pode ser carinhosamente apelidado de “já que…”. É bem simples: “já que eu separei 5 minutos para rabiscar meus números, talvez seja uma boa separar mais 5 e dar uma boa olhada nisso”. Ou “já que foi tranquilo dar esse chutão de saldo até o dia 30, talvez eu consiga avançar essa previsão por mais algumas semanas”. Uma vez que você se coloca em movimento, parece que tudo fica mais fácil.

É isso, amigos. 5 minutos. Muitos desdobramentos poderiam vir daqui, mas, de novo, a ideia aqui é focar no possível, no que dá pra fazer em pouco tempo e, ainda mais importante e atual, no que dá para fazer com com pouca energia.

No livro Dinheiro Sem Medo eu exploro esse processo de planejamento em detalhes, partindo do zero ou de algum método que você já possui e que funciona bem. Dá para gastar 15 minutos e dá pra gastar 4 horas (acredite, tem gente que adora), o céu é o limite.

Um último ponto que eu repito para mim mesmo diariamente: o que estamos vivendo não é o novo normal, nós não temos que nos acostumar com isso, não temos que encarar essa desgraça como sendo algo sustentável para o longo prazo e, portanto, é completamente aceitável não “ter o melhor ano da sua vida”, não “transformar sua vida enquanto os outros se lamentam” e não “focar em ser sua melhor versão” (eu vi essas três frases em anúncios de Instagram, só nessa semana).

Está tudo bem só ter energia para fazer o mínimo por enquanto, está tudo bem começar a ler um texto que, a princípio, trata de algo que te interessa, que pode ser benéfico, e de repente não conseguir avançar mais do que um ou dois parágrafos.

Nesses tempos de caos, em que, forçosamente, nossos referenciais de bem-estar e tranquilidade foram brutalmente distorcidos, é importante nos lembrarmos sempre que é perfeitamente aceitável e compreensível estarmos exaustos e fazermos o mínimo. Você não está sozinho.


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

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Heloísa Sanchez