O raio-x financeiro de uma viagem pelo mundo
Nota do autor: Este texto foi originalmente escrito em janeiro/2019 e, de lá para cá, bastante coisa aconteceu. Caso você queira acompanhar a história toda, cronologicamente, sugiro dar uma olhadinha neste link →. Além de contar um pouquinho da viagem, em si, publiquei uma série de relatos com percepções minhas sobre como as pessoas lidam com o dinheiro ao redor do mundo.
A ideia de destrinchar os números que estão por trás dos nossos planos me pareceu boa porque planejar uma viagem mais longa envolve uma série de conceitos relacionados a inteligência financeira que são úteis em basicamente qualquer situação. O processo de precificação e detalhamento, aliás, é um exercício fundamental: sem ele, os planos e sonhos ficam mais soltos, não ganham chão. Venho experimentado essa estratégia na minha vida pessoal, com alunos e com clientes, e não poderia recomendar mais.
O joguinho é um pouco capcioso. Para fazer bem feito, é preciso vestir muitos chapéus. Tomando a viagem como exemplo, às vezes seremos o chato dos detalhes. Aquele que se preocupa em saber quanto custa o prato de comida, a passagem de ônibus, a hospedagem do dia, os centavos do câmbio. Noutras vezes, assumiremos um papel mais manda-chuva, mais gerentão, e nos contentaremos com o macro, com o custo aproximado do mês, do semestre, do ano.
Em certos momentos precisaremos de disposição para encontrar pessoas que já fizeram algo parecido com o que desejamos, e em outros precisaremos respirar fundo e aceitar que por mais que existam milhares de blogs, vídeos, tutoriais e relatos disponíveis por aí, há uma generosa e inevitável dose de incerteza em cima da mesa – e tudo bem.
Precisamos entender também que não há um número mágico, uma resposta absoluta. Da mesma forma que uma viagem de férias para o litoral pode custar R$ 100 para uns e R$ 10.000 para outros, o orçamento de uma viagem mais longa, com muitos destinos, muitas línguas, muitas moedas e muitas paradas varia de acordo com o gosto do freguês. É bastante possível, porém, identificar algumas variáveis que acabam por nos dar certo direcionamento.
Em geral, o custo da viagem oscila de acordo com a velocidade da viagem. Se você quer viajar rápido, ficando pouco tempo em cada lugar (e, por consequência, “conhecendo” – muitas aspas aqui, pessoal – muitos lugares), você gasta mais. Se você topa pousar por mais tempo em cada canto, você gasta menos.
Se você topa cozinhar, você gasta menos, bem menos. Se você prefere fazer a maior parte das refeições em restaurantes, você gasta mais.
Auto-explicativo. Quanto mais próximo do algodão egípcio você estiver, mais cara fica a brincadeira.
Europa, América do Norte e Oceania costumam jogar o custo da viagem lá em cima. O restante do mundo, com destaque para o Sudeste Asiático, costuma ser mais carinhoso com nosso bolso.
Um adendo importante, que vale para todos os pontos listados acima: não existe resposta certa ou errada, melhor ou pior, vai do perfil e do momento de cada um. Não me preocuparei em dar exemplos relativos a cada item, já que as respectivas justificativas ficarão bem evidentes mais a frente.
Os números que a gente vê por aí
Tomando por base os relatos que já colhi na internet e fora dela, conversando com gente que está na estrada há uns bons anos, considerando todos os gastos – incluindo os custos que a gente gosta de esquecer, como vacinas, vistos, pequenas taxas e afins –, eu diria que um ano de viagem, para a maior parte das pessoas, vai custar entre 12 e 20 mil dólares.
Me sinto relativamente seguro em arriscar esse palpite, deixando claro que, obviamente, existem exceções e que esse é um panorama que contempla o nível de conforto tido como aceitável para a maior parte das pessoas (e não todas).
Esse intervalo (de 12 a 20 mil dólares) leva em consideração um ritmo de viagem mediano (de 3 a 4 voos mais longos, intercontinentais), um balanço entre países caros e baratos, hospedagens relativamente confortáveis em quartos privados, a maior parte das refeições feitas em “casa” e poucas estripulias turísticas (mergulhar com tubarões, se atirar de prédios, coisas assim).
Se você se jogar no grande buraco negro dessa internet (o YouTube), você encontrará, por exemplo, uma turma que viaja o ano todo com 7 mil dólares. Eles viajam bem devagarzinho, quase não voam, costumam dormir em hostel (albergues) ou barracas e cozinham basicamente todas as refeições. Você encontrará também uma turma mais chique, com aquela carinha de conta bancária cheia, que só fica em quarto de hotel que foi decorado por arquiteto de nome difícil e tem a palavra “boutique” no nome, e eles costumam gastar algo entre 30 e 40 mil dólares por ano. São poucos.
Considerando o intervalo inicial (de 12 a 20) e o câmbio de hoje (fevereiro de 2019), é justo afirmar que a maior parte dos privilegiados que se dispõem a essa empreitada gastará algo em torno de R$ 45.000 e R$ 75.000.
Esse valor contempla os gastos de uma pessoa, mas é importante frisar que um casal não gastará o dobro, já que uma parcela muito significativa do orçamento é destinada às hospedagens, que o casal provavelmente dividirá.
Introdução feita, números genéricos dados, vamos direto ao ponto.
A viagem, agora em primeira pessoa
Eu e a Gabi, minha companheira, temos gostos e demandas relativamente parecidas. A ideia é viajar devagar, sempre para lugares quentes e sempre para lugares que contem com uma internet minimamente razoável, já que eu sigo trabalhando de maneira (quase) normal. Estabeleceremos algumas bases, já que a ideia é estar o mais próximo possível da cultura local (e menos no estilão turista-câmera-no-pescoço). Tentaremos não ter pressa. Digo “tentaremos” porque, por aqui, a tentação de apertar o passo e conhecer mais lugares acaba surgindo com certa frequência.
A viagem começará em Moçambique, no sudeste da África, ficaremos três meses por lá. Em seguida voamos para Lisboa (já que é a conexão mais barata entre a Maputo e a Europa), e montaremos a “base” em Belgrado, na Sérvia, onde ficaremos por mais dois meses. De lá, provavelmente iremos para a França, mas estamos tentando deixar isso em aberto, para ser decidido conforme nossos anseios surjam, durante a viagem. Esse é um rascunho do primeiro semestre, o semestre seguinte ainda é um incógnita.
Nota do autor em abril/2019: Não é uma incógnita mais! Contei aqui →.
Números
Com as pontas ainda um pouco soltas, pode parecer difícil estimar valores, mas o exercício é viável e bastante válido. Vamos destrinchar o projeto grande em caixinhas menores. Os custos listados abaixo contemplam a despesa do casal.
Nesta caixinha, colocaremos todos os custos inerentes ao início da jornada, somados aos custos que acontecerão de maneira pontual, mas que impactam o orçamento total de maneira bastante significativa. No nosso cenário, temos: o seguro de saúde internacional (~R$ 3.500), o visto para Moçambique (~R$ 1.200), quatro grandes passagens em baixa temporada (~R$ 12.000), a renovação do passaporte (~R$ 500)
Vamos colocar o chapéu do chato-dos-detalhes na cabeça e dar um zoom em um mês moçambicano. Não há tanta informação disponível a respeito da vida em Maputo (capital de Moçambique), nem tampouco sobre a vida em Vilanculos (cidade litorânea, onde pretendemos passar algumas semanas), mas com um pouquinho de criatividade é possível darmos um chute razoavelmente coerente.
Contamos com a ajuda do Marcelino Francisco (um youtuber moçambicano), do Numbeo (site colaborativo que reune informações a respeito do custo de vida em cada cidade) e do AirBNB (site que estamos utilizando para a maior parte das reservas de hospedagem), e trabalhamos com três grandes categorias: casa, alimentação e lazer.
Aqui vai um bom exemplo das vantagens de se viajar devagar: em qualquer site de hospedagem, o anfitrião tem o direito de determinar um desconto para os hóspedes que reservarem um período um pouco mais longo de uma vez só. Isso colaborou bastante com nossos custos em Moçambique. Um quarto confortável, com banheiro, em uma região bem tranquila de Maputo custa cerca de R$ 70 por dia e, portanto, deveria custar cerca de R$ 2100 por mês. Por conta do desconto, a reserva mensal acabou nos custando R$ 1400.
Entre alimentação e lazer, estimamos algo em torno de R$ 1300 e, portanto, nosso mês moçambicano girará em torno de R$ 2700. Percebam como começamos trabalhando no detalhe (a diária da hospedagem), e agora estamos falando em “mês-moçambicano”. Primeiro o chapéu do chato dos detalhes, depois o chapéu do gerente.
Fizemos um exercício parecido para a Sérvia, local que ficaremos dois meses, e para a França, onde provavelmente ficaremos mais dois. Na Sérvia, chegamos em algo em torno de R$ 3000, ficando em um apartamento bem confortável. Na França estimamos que o mês girará em torno de R$ 5200.
A ideia é trabalhar em cima de cada caixinha para que cheguemos em um palpite inicial, sabidamente falho e impreciso, mas extremamente útil para começarmos. Não sabemos para onde iremos na segunda metade da viagem, então eu chutei valores, considerando que teremos países caros e baratos (veja a últimas duas linhas da tabelinha abaixo).
Chegamos em algo assim:
Custo inicial + pontual: R$ 17000
Mês Moçambique: R$ 2700
Mês Sérvia: R$ 3000
Mês França: R$ 5200
Mês país-barato: R$ 3000
Mês país-caro: R$ 5500
Com a estimativa dos possíveis pedacinhos, é fácil trabalharmos em cima das multiplicações e somas necessárias para arriscarmos uma pequena fórmula, elaborada com base no provável itinerário:
Perceba que eu coloquei na brincadeira o custo inicial e pontual, aproximado, e a quantidade de meses relativa a cada país. Em Moçambique, pretendemos ficar três meses, logo, multiplicaremos o custo-Moçambique por três. Na Sérvia pretendemos ficar dois, portanto, multiplicaremos o custo-Sérvia por dois, e assim por diante. A soma desses meses todos, obviamente, é doze, já que a ideia inicial (que pode mudar) é viajarmos durante um ano.
Vamos às contas:
Custo inicial + pontual: R$ 17000
3 meses em Moçambique: R$ 8.100
2 meses na Sérvia: R$ 6.100
2 meses na França R$ 10.400
2 meses em país barato R$ 9.000
3 meses em país caro: R$ 11.000
TOTAL: R$ 64.000,00
Chegamos em R$ 64.000 até aqui, mas nosso exercício não terminou.
Precificando o incerto
O tal do R$ 64.000 está muito, muito longe de ser um bom chute. Ele não considera imprevistos, não considera minha inabilidade de estimar custos em um local desconhecido, não considera os probleminhas de última hora, enfim, não considera os perrengues e mudanças inerentes a qualquer viagem ou projeto.
Seria muito difícil chegar em um valor fechadinho que fosse capaz de cobrir cada etapa, então trabalhamos com uma margem única, um valor percentual, que será aplicado sobre o valor que encontramos na etapa anterior. Gosto de trabalhar com margens altas: se não precisarmos utilizar, maravilha, se precisarmos, tranquilo, estava previsto.
No nosso caso, como estamos nos dando ao luxo de não olharmos para o segundo semestre de viagem, trabalharemos com uma margem ainda maior, de modo que tenhamos certa flexibilidade – talvez queiramos alongar nossa estadia em um local mais caro, por exemplo. Nosso número é 40%.
Com a margem estabelecida, o cálculo é simples:
Agora sim, um valor mais coerente.
Além disso, este maravilhoso animal com olhos de gente, que ficará hospedado na casa de amigos queridos, não está trabalhando para prover o próprio sustento, portanto, a ração, as vacinas, os brinquedos e os banhos mais que necessários serão bancados por nós, e nos custarão cerca de R$ 2000.
Para além disso, temos um custo significativo referente aos nossos poucos móveis, que ficaram guardados em um guarda-móveis, em São Paulo. Saiu por cerca de R$ 300 por mês, logo R$ 3.600 por ano. A estimativa inicial era de R$ 600 por mês, porém muitos amigos se dispuseram a cuidar dos móveis enquanto estivermos fora. Raquel, por favor, cuide bem da nossa fruteira. Robert, cuide bem da nossa poltrona. Ieda, por favor, garanta que nossas plantas sigam vivas – a lista é longa e os agradecimentos imensos.
O custo total
Consolidando as informações:
São R$ 89.600 do custo geral, com margem, R$ 3.600 do guarda-móveis e R$ 2.000 do Jorge. Essa é nossa previsão inicial. Como qualquer planejamento, a ideia é que sirva de guia, para ser esmiuçado, apagado e refeito quantas vezes forem necessárias.
* * *
Este texto é o primeiro de uma série de textos onde eu contarei mais sobre as finanças dessa viagem. Compartilharei meus acertos e erros através da newsletter, você pode assinar através deste link: lista.amuri.com.br.
Não deixe de acompanhar as novidades através da uma horinha sobre grana, meu podcast. É provável que eu conte bastante da viagem por lá também.
Se você chegou até aqui (enfrentando as quase 10 páginas de texto), obrigado. Se quiser aprofundar o papo, fique à vontade para me escrever através do eduardo@amuri.com.br.
Seguimos. :)
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