Salário de faxineira
Amigos, que o quilo do frango está um absurdo e que quase metade da população brasileira se encontra em um quadro de insegurança alimentar a gente já sabe, mas, por vezes, eu, que escrevo este texto, e provavelmente você, que me lê, nos perdemos num mar de dados, uma avalanche que nos deixa exaustos e, de repente, os números deixam de carregar significado. É como se você estivesse numa sala com um ar condicionado muito barulhento. No começo, aquele barulho te atordoa. Depois de meia hora, você simplesmente desiste e incorpora o ruído como paisagem.
Para lidar com isso, além de, com alguma sorte, estar atento, próximo das pessoas, gosto de brincar com os números e analisar dados, com paciência e sem pressa. Caso você queira me acompanhar nessa pequeníssima escarafunchada, te apresento uma calculadora bem simples e útil. Ela é pública, fica hospedada no site do Banco Central, o link é esse aqui.
As possibilidades são muitas, vou apresentar uma delas: corrigiremos um valor de acordo com o índice de inflação mais popular que temos na atualidade, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Marque esse índice logo na primeira caixinha.
Em seguida, escolha um período. Gosto de utilizar períodos de 10 anos e faço o possível para tornar o processo mais palpável. Ao invés de pensar "10 anos atrás, beleza" eu gosto de tentar lembrar onde eu estava, qual era o nosso contexto, o que estávamos enfrentando.
Bom, 2011, eu tinha recém-pedido demissão do meu último emprego formal, a Dilma tinha assumido, eu aluguei meu primeiro apartamento, provavelmente nunca tinha pronunciado a palavra "pandemia", a guerra no Iraque era o assunto da vez. Nem faz tanto tempo assim. Preencha o período e insira o valor a ser corrigido. Sugiro que, neste começo, você trabalhe com valores redondos. No meu exemplo, coloquei 100 reais.
Aperte "corrigir valor" e você cairá numa tela parecida com essa:
A interpretação dessas informações é simples. O valor corrigido é de, aproximadamente, 176 reais. Isso quer dizer que, em média, se você gastava cerca de 100 reais no mercado em 2011, gastará, hoje, algo próximo de 176 reais, para comprar as mesmas coisas.
Para o exercício ficar mais interessante, jogue alguns valores que se conectam com a sua infância ou início da vida adulta. Propus essa brincadeira no meu Instagram e surgiram coisas interessantes:
"Meu deus, eu lembro que eu enchia o saco da minha mãe para que ela me comprasse um bonequinho dos cavaleiros do zodíaco, que custava 55 reais. Hoje eles custariam 250. Um bonequinho por 250 reais!"
"Lembro que fui morar sozinho e com 100 reais fazia a compra da semana. Agora eu entro no mercado e me culpo, me chamo de gastão, porque toda semana é mais de 200!"
Se você possui algum fato financeiro mais marcante na sua história, você pode usar esses dados também:
"Comprei um apartamento por 120 mil em 2000, vendi em 2008 por 200 mil. Achei que tinha feito o melhor negócio do mundo, agora vi que não cobriu nem a inflação no período"
Olhando assim, em perspectiva, de uma vez só, é meio chocante, não? Na semana passada, com esse assunto pegando fogo, enquanto eu conversava com os alunos, me ocorreu que talvez tudo isso tenha acontecido "devagarzinho" e, por conta disso, tenha me passado meio batido, tenha me impactado menos do que poderia.
Refletindo com um pouco mais calma, percebi que isso é uma groselha meio boba. O real motivo da minha relativa não perturbação com o assunto nos últimos anos é o puro suco do privilégio. Eu "não notei" porque eu nunca precisei devolver os produtos na gôndola do mercado depois de ter passado no caixa e constatado que o dinheiro que eu tinha no bolso não dava para comprar os produtos que eu tinha escolhido. Ponto.
Esse chamado à realidade veio quando algumas pessoas me enviaram mensagens parecidas com essa:
Faz total sentido aplicar o cálculo sempre que possível. Diaristas, babás, jardineiros, prestadores de serviço que você contrata e que, talvez, não tenham condições de fazer o cálculo por conta ou que – ainda mais comum que isso – tenham condições de fazer o cálculo, porém não se sintam no direito de reinvidicar qualquer tipo de aumento e acabam deixando pra lá.
Se você tem condições mínimas de arcar, você deveria fazê-lo. Sei que está complicado para (quase) todo mundo, mas uma coisa é ficar com o orçamento um tiquim mais apertado por conta do aumento dos preços, outra coisa é sentir as mãos suando enquanto calcula se vai dar pra comprar proteína pra semana toda.
É isso por hoje, queridos, cuidem-se bem por aí.
Um abraço grande e seguimos.
Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.
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