Tam-taram-ram-tam
Amigos, que seres corajosos e emblemáticos são os professores do ensino médio – que decisão profissional inusitada essa, "vou me enfiar numa sala de aula com 30 adolescentes". Enfim, alguém tem de fazê-lo, e eu tenho algumas lembranças maravilhosas dos meus. Até hoje eu dedico à professora Lúcia, de português, o título de "voz mais estridente que eu já escutei".
Hoje fica claro que o jeitinho meio bruto e barulhento dela era um artifício didático. De um jeito ou de outro, com doçura ou não, por mais que nossas mentes adolescentes insuportáveis não nos deixassem perceber, o objetivo dela era nobre, ela genuinamente queria ensinar. Lembro do dia em que ela escreveu "DE" de um lado da lousa gigante e "REPENTE" do outro, com uma letra gigantesca, quase maior que ela, que media pouco mais de 1,50m. Nunca mais esqueci que "de repente" se escreve separado.
Lembrei dela ontem, durante o plantão do Dinheiro Sem Medo, porque coloquei a fonte 72 com fundo vermelho para escrever que...
Hoje percebo que essas gambiarras didáticas (os gritos, o tamanho da fonte, o efeito-surpresa) são preciosas, mas que, por diversos motivos, existem limitações que fazem com que sejam necessários repetir, encontrar novas formas, repetir, encontrar novas formas, em uma espécie de ciclo imprevisível. A gente nunca sabe qual narrativa vai colar com quem.
Nesse meu pequeno universo da inteligência financeira e, mais especificamente, nessa questão que eu destaquei em vermelho na imagem, para além da compreensão cognitiva, existe o viés do otimismo, muitíssimo estudado pelas ciências comportamentais.
Superestimamos a probabilidade dos eventos positivos e subestimamos a probabilidade dos eventos negativos, mesmo que – e essa parte é a mais interessante – externalizemos uma narrativa esclarecida, ponderada e não distorcida. Mesmo que alguém diga "é claro que eu entendi, amuri, a renda variável faz sentido no planejamento de longo prazo, eu sei que no curto prazo vai ter muita oscilação, estou preparadíssimo", lá no fundo existe uma crença velada de que "comigo não vai acontecer".
Acompanhar alguém por anos é algo interessantíssimo porque nos dá a oportunidade de observar essa movimentação muito de perto. Em um determinado momento, em janeiro, um aluno fala "amuri, me organizei aqui e coloquei 15% da minha carteira em renda variável, é para longo prazo, estou muito feliz!". Em março do mesmo ano, por conta de uma quedinha de 10%, esse mesmo aluno me pede uma opinião: "amuri... acompanhei aqui o fundo durante os últimos meses e estou pensando aqui se eu deveria seguir, porque nos dois últimos meses...".
Se eu fizer com ele igual eu fazia com a minha afilhada (eu era o tio que fazia "tam-taram-ram-tam" pra ela responder "tam-tam") e soltar no ar "renda variável é para..." ele vai me responder "longo prazo!".
Em um nível mais grosseiro, racional, ele sabe que o questionamento não faz tanto sentido assim (embora seja bem-vindo, como devem ser todos questionamentos, na minha visão), mas em um nível mais sutil, mais conectado com as nossas emoções, somos facilmente arrastados. Nossa mente pega cada equação, cada argumento quadradinho e pisa em cima.
Complementando meu ponto do início do texto: as repetições e as variações de narrativa se fazem necessárias, é verdade, mas, mais importante do que isso, é contarmos com lembretes, exemplos e referências, que nos ajudem a ficar em paz com os pontos que, racionalmente, já absorvemos.
Tarefa difícil, eu sei. Mas é mais fácil do que ser professor do ensino médio.
Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.
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