"Todo mundo sabe mais de dinheiro do que eu"

"Me matriculei recentemente no seu curso online, acessei as gravações dos últimos plantões e estou um pouco assustada com o quão crua sou neste assunto e com as questões bem desenvolvidas (outro nível!) que os outros alunos te enviaram. Fiquei com a sensação de que todos sabem mais do que eu"

Essa mensagem chegou ontem e eu desconfio que é um ponto que surge para muitas pessoas, então resolvi compartilhar algumas reflexões por aqui.

Sua percepção está completamente distorcida

Imagine que você está assistindo uma aula qualquer, em uma sala com outras 50 pessoas. O professor está lá na frente, destrinchando um assunto denso e complexo. O José, aluno, levanta a mão, corajoso e cheio de si, e faz uma boa pergunta. Pergunta de quem já estuda esse tema há algum tempo, de quem estava seguindo a linha de raciocínio e, de repente, tropeçou. A Aline, aluna veterana, igualmente decidida, sem pestanejar, emenda um comentário em cima da pergunta do José. A discussão segue entre os três. Linda, fluida. Você sai da aula um pouco chocado: "cara… eu estou 30 passos atrás desse povo todo! Todo mundo sabe mais do que eu!".

Talvez você até saiba menos do que o José, a Aline e um ou outro aluno mais cabeçudo, mas a verdade é que, muito provavelmente, as outras 48 pessoas que ficaram lá, sentadas, calmamente, sofrendo em silêncio, sabem tanto quanto você, se não menos.

Você está assumindo que não está acompanhando a turma com base nos comentários de 2 alunos, que podem estar em outro contexto, que vieram de outro lugar, que têm outra história. Esses dois alunos representam menos de 4% da turma, é uma amostra muito pequena para embasar qualquer conclusão.

Quem levanta a mão?

Não é fácil levantar a mão no meio de uma sala lotada. Quando alguém levanta a mão, uma parcela significativa das cabeças ao redor se volta ao ser humano destemido que pediu a palavra. Se por um lado dá um frio na barriga, um nervoso, por outro aflora um certo instinto de pavão, um pequeno prazer por ser o centro das atenções, por mostrar que está ali. Conduzo rodas de conversa há um bom tempo e percebo que, geralmente, quem pede a palavra é quem já sabe algo. Em se tratando de grupos que conversam sobre grana, escuto com muito mais frequência perguntas do tipo:

"Viu, Amuri, como funciona o imposto de renda nos fundos de ações? É melhor comprar cotas do fundo ou comprar o papel?"

Do que perguntas do tipo:

"Amuri, eu não entendi um cazzo do que você falou até agora. Eu não faço a menor ideia de nada, estou meio apavorado aqui, por onde eu começo?"

Agora me diz: será que tem mais gente com dúvida sobre fundo e papel, ou mais gente sem saber por onde começar? É claro que tem mais gente com dúvida a respeito do básico do básico, do passo zero. Mas perguntar sobre fundos e papéis é muito mais glamuroso, muito mais impressionante.

No começo, alheio a esse ponto, eu costumava analisar o nível da turma pelas perguntas que surgiam, sendo que na verdade, seria muito mais interessante, eficiente e agregador puxar os que estão quietos mordendo a caneta.

O desafio que realmente importa

Quem acompanha meu trabalho sabe que eu bato na tecla da importância de encararmos o dinheiro como uma questão coletiva — na verdade, quem acompanha meu trabalho não deve aguentar mais eu falando/escrevendo (gritando, às vezes) que nossos problemas, no geral, são bastante parecidos, que não faz sentido sair por aí procurando soluções individuais e que precisamos tirar o dinheiro desse lugar de tabu.

Tudo isso é verdade, a gente tem que conversar sobre dinheiro mesmo, tem que compartilhar nossos achados, tem que perguntar, tem que responder, mas também temos que tomar cuidado para que essa história toda não vire uma competição para ver quem sabe mais. Quem tem o planejamento mais bonito. Quem decorou as regras de tal modalidade de investimento. "Olá, senhoras e senhores, eu gostaria de conversar sobre dinheiro com vocês, vejam este meu planejamento feito nesta maravilhosa planilha, que vem sendo alimentada há 5 anos sem falhas". Não é por aí.

O objetivo não é ser o que sabe mais dentre todas as pessoas de todos os grupinhos de WhatsApp. O objetivo é fazer com que o dinheiro deixe de ser uma aflição, que ele passe a ocupar uma posição de apoio e suporte para todas as áreas da sua vida, e a ajudar que os outros consigam fazer o mesmo.

Sobre saber pouco ou quase nada (e dar um passo, mesmo assim)

Essa posição de completo desconhecimento, de início de percurso, tende a gerar coisas boas. Em primeiro lugar, porque ela nos coloca em um lugar de humildade e abertura ("bom, se eu não sei nada, faz todo o sentido escutar com atenção o que essas pessoas estão dizendo") e em segundo lugar porque ela é extremamente inspiradora. Ela é capaz de movimentar quem sabe algo e está acomodado e também quem não sabe nada porém, por N motivos, não teve o ímpeto de começar — não dá pra ficar melhor do que isso.

Sendo assim, tudo o que eu posso desejar a esse novo aluno é que ele aproveite este lugar raro e que enxergue em todos — nos que sabem mais e nos que sabem menos — grandes parceiros.

Seguimos.

Este texto foi originalmente publicado em minha coluna quinzenal no Valor Investe. O link para acesso ao texto original está aqui→

Pessoas queridas, as vagas para o Dinheiro Sem Medo e o Finanças Para Autônomos, meus programas de acompanhamento, estão abertas! Clique aqui → para saber mais.

eduardo antunes