Um pequeníssimo guia para conversas natalinas sobre dinheiro
É provável que, nos próximos dias, você encontre com aquela tia que aperta a bochecha alheia, com aquele tio que pergunta "e as namorada, hein?" e com aqueles amigos que te causam algo entre o "poxa, gosto tanto desse cara, a gente devia se ver mais" e o "por que a gente foi amigo um dia, meu deus, que ser humano horrível". Estamos todos juntos nessa empreitada, pessoal.
Resolvi comentar alguns tópicos financeiros que talvez surjam naquele momento em você se jogou no sofá da casa da sua avó exausto por conta de prato de comida levemente desproporcional – na dúvida entre o tender, o peru, o chester e o lombo, talvez você tenha resolvido ficar com todos e ninguém pode te julgar, meu amigo, 2019 não foi fácil.
São pequenos pontos que surgem vez ou outra nos grupinhos de WhatsApp e que provavelmente aparecerão com mais frequência enquanto sua família espera o primo que se atrasou para a entrega dos presentes do amigo secreto. Você perceberá que todos os itens são seguidos de três exclamações, porque, pelo menos aqui em casa, todas as conversas natalinas são feitas aos berros.
Vamos lá:
#1 – "Quem deixou o pé de meia na poupança em 2019 perdeu dinheiro!!!"
Não é verdade. A inflação acumulada até novembro foi de 3,27%, a poupança rendeu aproximadamente 4%.
Eu acredito que você deve, sim, se preocupar em investir seu dinheiro da melhor forma (a poupança não é um produto interessante, na maior parte dos cenários), mas é importante entendermos que esse discurso "fujam da poupança! o problema do brasileiro é que ele não sabe investir!" é falacioso e, no geral, é endossado por quem se beneficia com o pânico e do barulho: bancos e corretoras que se aproveitam das narrativas ingenuamente amplificadas pela grande mídia e por influenciadores digitais para oferecer produtos que claramente não fazem sentido para a maioria de nós.
É muitíssimo válido buscar alternativas, conhecer outras modalidades de investimento, mas fazê-lo aos trancos, seguindo um movimento de manada, sem um mínimo de clareza certamente é uma rota ruim.
Que fácil seria se nossos problemas financeiros fossem resolvidos com uma simples troca de produto.
#2 – "Fiz um teste em 2019, deu certo e eu decidi: vou largar meu emprego e virar trader!!!"
Estamos vivendo um "bull market", ou seja, um período em que o preço dos ativos está subindo fortemente e que uma atmosfera de otimismo toma conta do mercado financeiro. Em outras palavras: em 2019 todo mundo que chutou fez gol. Ibovespa voou, bateu recorde, foi máxima histórica em cima de máxima histórica.
Ter alcançado um bom desempenho neste ano é praticamente obrigação de quem se propõe a operar com alguma volatilidade. Isso não significa que o investidor em questão é um gênio, nem tampouco que deveria largar o emprego para viver do mercado – aliás, correndo o risco de soar um bocado pessimista, mas fortemente amparado pelas estatísticas, essa provavelmente é uma ideia bem ruim.
Em se tratando da performance de um trader, de um fundo de ações ou mesmo de uma carteira de investimento: mais importante do que ter obtido um desempenho ótimo em 2019 é ter mantido alguma dignidade em 2008, 2010 ou 2016, períodos em que a bolsa andou de lado ou despencou.
#3 – "Você vai ficar de fora do nosso bolão da mega da virada?! Vai?! Vai mesmo?!"
Adoro esse estardalhaço que se faz em torno do bolão da virada, e não é por conta do prêmio em si, nem por conta do friozinho na barriga (eu nunca participei de nenhum, para falar a verdade). Eu gosto do burburinho porque ele suscita conversas ótimas. Toda a turma tem um fulano que já sabe, de bate-pronto, o que faria com os trocentos milhões, outro fulano que solta um "cara, eu não faço a menor ideia", outro fulano que faz uma cara blasé e diz "ah, eu acho que eu viajaria mais e doaria um pedaço" e um mais cético que solta o "não acredito muito nisso mas imagina que eu vou ficar de fora, vai que todo mundo fica milionário menos eu".
O primo-organizado (toda família tem um) faz a planilha dos pagamentos e das apostas e de repente todos estão falando dos próprios planos e sonhos. Começa de um jeito mais solto, mais carregado de hipérboles (e vinho), mas vai afunilando, afunilando, até que, com alguma sorte, talvez alguém pense "nossa… na verdade uma parte desse meu sonho eu poderia estar realizando agora" ou "caramba, todo mundo teria planos e durante esse ano todo eu basicamente não parei para entender quais são, de fato, os meus".
Surge então uma pequena janela, raríssima, onde é permitido falar abertamente sobre dinheiro, sem amarras, sem grandes julgamentos.
Aproveite a deixa e faça perguntas. "Rafa, você faria o que, exatamente, com os 10 milhões?". "João, você falou que sonha em se aposentar e comprar um barco… quanto custa o barco que você quer?". "Gabi, você falou que pagaria as dívidas… você já fez a conta de quanto precisaria para quitar tudo? Como tá pensando em fazer nesse próximo ano?".
E se você, como eu, não gosta de participar, por favor, não seja aquela pessoa chata que solta o "ai, se a gente investisse esse dinheiro ia render mais, né, vocês estão jogando dinheiro no lixo". Nada de bom vai surgir disso.
#4 – "Quem quer arranja um jeito, quem não quer arranja uma desculpa, bora empreender!!!"
A frase clichê talvez seja útil em alguns contextos, como um incentivo para que busquemos soluções criativas, mas o empreendedorismo não é bala de prata. Não se resolvem todas as mazelas de um indivíduo (ou de um país) com discurso motivacional e meritocracia fajuta. Sucesso meteórico é repercutido massivamente porque vende revista e gera clique, e não porque é estatisticamente provável.
Aquela franquia infalível que "um amigo de um amigo da faculdade está oferecendo e gera retorno em 6 meses" não é a solução para o desemprego no país, nem tampouco é uma opção válida para quem está cansado do próprio trabalho e está buscando alternativas. Aquele curso milagroso sobre operações com derivativos que rendem 50% em um mês também não. Às vezes vale a pena vestir o chapéu do cético chato e constranger o colega que está propagandeando tranqueira por aí, com algo como "que estranho, né, ele está oferecendo um curso que custa R$ 3.000,00 sendo que ele poderia simplesmente fazer o que está ensinando no curso e ganhar um rio de dinheiro fácil"
#5 – "José, faz igual o Pedrinho, ele está que tá com 24 anos e já está comprando o apartamento!!!"
José, você deveria comprar um apartamento se ponderou os muitos caminhos possíveis, fez contas, discutiu o assunto com seu companheiro ou companheira, conversou com amigos para colher algumas opiniões menos enviesadas e, por fim, decidiu que essa seria a melhor rota. O fato do Pedrinho estar comprando um apartamento não deveria influenciar em nada na sua decisão. Comprar uma morada é um passo imenso, gigantesco, provavelmente a maior compra que você fará na vida, então tome seu tempo.
A taxa SELIC sofreu uma sucessão de cortes e, por consequência, as taxas praticadas pelos bancos também caíram, ou seja, ficou mais barato tomar dinheiro emprestado. Esse é um fator chave, que de fato deveria ser levado em consideração pelos que estavam esperando uma oportunidade interessante para a compra, mas definitivamente não é o único. Temos que colocar no balaio o valor do imóvel, o valor da parcela, o potencial de valorização, a situação financeira atual, enfim, são muitos pontos e nenhum deles tem absolutamente nenhuma relação com a vida do Pedrinho.
* * *
Se falar sobre dinheiro é falar sobre sonhos, frustrações, planos e medos, é natural que o assunto surja durante as reuniões que antecedem e sucedem a chegada do bom velhinho, então será maravilhoso se pudermos contribuir para que essas trocas sejam mais lúcidas e benéficas.
Para além das piadas e das tentativas de acrescentar um pouquinho de inteligência financeira aos eventos natalinos, eu espero, de coração, que tenhamos um final de ano tranquilo, celebrado ao lado de pessoas queridas.
Que 2020 venha generoso.
Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.
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