Se eu pudesse dar um só conselho sobre dinheiro
Eu acredito bastante nos números e neste momento eles não estão a meu favor. Torço para que não, é claro, mas é bastante provável que esta seja a única vez em que você entra em contato com um texto meu. Não será nada pessoal (eu espero), é só que a internet é grande demais. Gente demais, mensagens demais, conteúdo demais, vídeos engraçados demais: quantas vezes seu celular vai vibrar enquanto você passa os olhos pelos próximos 5 ou 6 parágrafos?
Quantas abas estão abertas no seu navegador agora? É uma imensidão de informação e entretenimento, e olha que eu não estou levando em consideração o Netflix, nem tampouco a estreia da nova temporada do Game of Thrones. Por isso escrevo este pequeno texto – e, com ele, faço minha estreia como colunista por aqui – tendo em mente que em breve eu te perderei para o trabalho (ou para o YouTube) e isso faz com que nosso tempo juntos seja extremamente escasso. Esse cenário de escassez, velho conhecido da economia (esse é um texto sobre dinheiro, afinal), embora desconfortável, traz consigo boas coisas: ele me força a ser extremamente criterioso em relação a mensagem que quero transmitir.
Já fiz um bocado de coisa. Como consultor financeiro, entre endividados e milionários, atendi alguma coisa entre 250 e 300 clientes, fiz diversas formações e cursos, conduzi umas 150 rodas de conversa sobre grana, dei algumas dezenas de palestras por aí, publiquei dois livros, minha mãe ficou orgulhosa, enfim. Não me custaria listar alguns conceitos sobre o universo das finanças pessoais e, com didática razoavelmente agradável, explicá-los, um a um. Em determinada quinzena, explicaria porque você não deveria deixar seu dinheiro na poupança. Na quinzena seguinte, falaria um pouquinho da taxa SELIC. Em outro momento, defenderia que talvez você não precise se preocupar em utilizar um aplicativo para gerenciar as contas e te mostraria que existem outras maneiras mais eficientes. Investimentos, planejamento, finanças para casais, dívidas, cartão de crédito, as possibilidades são muitas. Eventualmente, aliás, esses temas serão abordados por aqui.
Mas existe algo que precede tudo isso. Um conselho que eu gostaria de dar e que, na minha opinião, é capaz de tornar sua jornada muito mais fácil, que pode afetar drasticamente a maneira com que você lida com as questões que eu citei há pouco e com inúmeras outras: fale sobre dinheiro.
Incorpore esse assunto no seu dia a dia. Finja que não é um tabu, até que de fato não seja. Atropele essa crença inocente de que não se fala sobre grana por aí. Aceite que esse assunto é para você.
E se fosse normal receber um email de um amigo, comentando que conseguiu fazer o dinheiro sobrar em determinado mês? Ou que fez um planejamento de longo prazo e que gostaria de compartilhar algumas descobertas com você? Ou ainda que está estudando sobre como determinado fundo consegue ir tão bem, com tanta constância? Todos ganharíamos.
Nos fizeram acreditar que dinheiro é assunto de rico. Que quem entende sobre ele é consultor financeiro, gerente de banco e assessor de corretora de investimentos.
Mentira.
É claro que existem pequenices técnicas e cenários especificamente complicados que carecem de apoio especializado, mas, para a maioria de nós, basta o básico, o conhecimento popular, o bom senso. Para além das lacunas já conhecidas (educação financeira nas escolas, políticas públicas, dentre tantas outras) nos falta uma rede de apoio, que poderia ser construída por todos nós, nó a nó. A origem da fala, inclusive, tem um papel muitíssimo importante por aqui. Tendemos a confiar e absorver com muito mais facilidade o conhecimento compartilhado por pessoas em posições similares às nossas.
Uma coisa é darmos de frente com um anúncio colorido (ou um guru engravatado) que diz “ei! esse é o melhor investimento! veja isso, isso e isso!”, outra coisa é este mesmo conselho vir do colega da mesa do lado, do primo ou do amigo da época de colégio: “viu, eu dei uma pesquisada boa, experimentei algumas modalidades diferentes e o que funcionou para mim foi isso, isso e isso”.
Por vezes simplesmente começar, da maneira que der, já é algo excelente. Experimente perguntar para um amigo como ele faz para se organizar com o dinheiro. Se ele investe em algum lugar. Se ele consegue se organizar bem. Se ele já começou a separar algo para as próximas férias. Quanto ele gasta com as contas fixas. Seria incrível se mais pessoas soubessem que você pode ligar para seu gerente e pedir que ele tente abonar a tarifa absurda do DOC. Que utilizar o cartão de crédito é algo incrivelmente rentável para a empresa que o administra e, logo, você pode sim reclamar da anuidade imensa que paga (eles sobreviverão sem ela). Que você pode transformar a criação de uma reserva em uma conta fixa, mensal, utilizando uma transferência recorrente e automática. Que aquele investimento picareta do banco de varejo que rende 80% do CDI não é um bom lugar para deixar dinheiro.
Conte também um pouco de como você tem feito, mesmo que de um jeito meio bagunçado e caótico. Não importa. Talvez soe um pouquinho torto e inapropriado em um primeiro momento mas, acredite, é libertador, é provável que em pouquíssimo tempo ele também sinta vontade de fazer perguntas, de saber mais, de compartilhar algo que experimentou.
O dinheiro perpassa basicamente todos os aspectos da nossa vida. Nossos projetos, sonhos, nossa saúde mental (!), a maneira como consumimos informação, nossas relações, os círculos que frequentamos, que triste seria não nos apropriarmos de algo tão fundamental.
A verdade é que estamos cansados de propaganda e de especialista. Precisamos de falas em primeira pessoa, de gente de verdade falando pra gente de verdade. O equivalente financeiro da trinca “beba água, faça exercícios e coma vegetais” está logo ali e ele se aplica a maior parte de nós. O resto, as especificidades, os detalhes, podem ser construídos cima dessa base mais ampla, mais comum, mais nossa.
Seguimos.
Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.
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