O que um coletor menstrual pode nos ensinar sobre inteligência financeira?

Dividir a vida com outra pessoa por um período longo e intenso nos oferece uma oportunidade rara e bonita de vê-la assumindo identidades diferentes. É como se o outro fosse vestindo chapéus. Se esses chapéus fossem literais (e não metafóricos), a Gabriela, minha companheira, por exemplo, precisaria de uma guarda-roupa que não caberia no nosso quarto. O chapéu da socióloga, o chapéu da jogadora de vôlei, da amiga, da filha, da bagunceira, da saudável, da faladeira, da introspectiva, da viajante, enfim, as possibilidades são infinitas. Existe um chapéu, porém, que tem sido utilizado com mais frequência, que pertence a um mundo que não se conecta tanto ao meu: o chapéu da defensora do coletor menstrual.

Dia desses estávamos tomando café com a Manu, amiga querida, e a Gabriela sacou o tal chapéu. Segui concentrado no meu pão com manteiga enquanto a argumentação seguia intensa, questões ambientais, conforto, pontos positivos, pontos negativos, experiências boas, experiências ruins. Que maravilhoso que existam possibilidades, pensei.

A Manu, impactada com a eloquência mineira, foi convencida, se prontificou a fazer o teste no próximo mês e em seguida, perguntou o preço, que a Gabriela sabia de cor: 70 reais. Raquel fez uma cara de espanto. Achou caro. Gabriela retomou o tom argumentativo e soltou um "ah, mas no longo prazo se paga", me olhando com cara de deboche, simulando meus trejeitos de consultor financeiro.

A conversa seguiu, mais numérica, e eu achei a linha de raciocínio preciosa – não por se tratar de um coletor menstrual (quem sou eu para ter alguma opinião sobre isso, amigos), mas por ponderar a respeito de dois cenários que resolvem uma mesma questão, mas que partem de premissas econômicas diferentes.

No cenário #1, a Manu segue do jeito que está, utilizando o absorvente descartável. No cenário #2, passa a utilizar o coletor. No cenário #1, o gasto é recorrente e mensal, e no cenário #2 ele é pontual.

Essa diferença de perspectiva pode distorcer nossa percepção e colocar nosso lado racional para dormir. Um jeito maravilhoso de invocar um lampejo de racionalidade é colocar os números no papel. Vamos destrinchar cada cenário, para encontrarmos o que chamaremos de custo por uso​, conceito extremamente útil e versátil, que pode ser aplicado em inúmeras situações.

Cenário #1

A Manu utilizava cerca de 12 absorventes por mês. Um pacote com 8 custa R$ 4,50, o que significa que o custo por unidade é de R$ 0,56. Em um mês comum, podemos afirmar que serão gastos 12 x 0,56, ou seja, R$ 6,72.

Cenário #2

Neste cenário, novo para a Manu, não há custo mensal, porém há um gasto maior, mais significativo, logo no início, de R$ 70,00.

Agora podemos trabalhar esses dados.

No cenário #1, nosso custo mensal já está calculado: ​R$ 6,72​. Já o custo mensal no cenário #2 depende uma informação chave: a durabilidade do coletor: 3 anos, ou seja, 36 meses. Com essa informação a conta fica fácil, chegaremos no custo mensal dividindo o custo inicial pela duração, ou seja, R$ 70 por 36 = ​R$ 1,94​.

Caso desejemos trabalhar com o ​custo por uso​, é fácil também: no cenário #1 o dado está pronto: ​R$ 0,56​. No cenário #2 basta dividirmos o custo inicial pela quantidade de absorventes poupados, ou seja, R$ 70 dividido por 432 = ​R$ 0,16​.

Da mesma forma que partimos do valor grande e chegamos no valor menor, podemos fazer o caminho oposto: no cenário #1, em 3 anos, serão gastos aproximadamente 241 reais, enquanto no cenário #2 o custo é o valor dispendido lá no começo, no momento da compra, ou seja, 70 reais.

Em suma, o coletor, apesar de parecer mais caro, custa quase 4 vezes menos do que o absorvente convencional, mas sem esmiuçar um pouquinho os números precisaremos contar com percepções superficiais, do tipo "ah, R$ 70 no coletor é caro… R$ 4,50 no pacote de absorvente é barato".

Considerando uma posição extremamente privilegiada em que podemos fazer escolhas com razoável conforto (algo realmente incomum no nosso país), podemos aplicar esse mesmíssimo raciocínio em uma imensidão de cenários relacionados ao consumo (móveis, roupas, acessórios pessoais, viagens, eletrônicos, etc..) e esse destrinchar simples, que não toma mais do que alguns minutos, pode fazer com que tomemos decisões muito mais acertadas.

O conceito de custo por uso não está restrito à ponderação de cenários comparativos. Ele pode ser utilizado de maneira mais direta, para contestar nossas âncoras (referenciais que utilizamos para definir o que é caro e o que é barato) e torna-se especialmente poderoso se colocarmos nessa equação outras variáveis mais subjetivas, relacionadas ao conforto, saúde e satisfação pessoal.

Caro é o que, de imediato, de maneira impulsiva, nos parece caro – por conta de algum ponto de referência facilmente deturpável –, ou caro é algo cujo ​custo por uso​ é altíssimo?


Nota do autor: Este texto foi originalmente publicado em minha coluna no Valor Investe, projeto do jornal Valor Econômico.

Pessoas queridas, as vagas para o Dinheiro Sem Medo e o Finanças Para Autônomos, meus programas de acompanhamento, estão abertas! Clique aqui → para saber mais.

eduardo antunespreferidos